terça-feira, 3 de novembro de 2009

Só para lembrar!

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"Não há sensação que uma antiga fotografia não possa trazer até a memória." Desconheço o autor da frase, mas concordo plenamente com sua idéia. Abaixo, um momento guardado pela amiga de agremiação - e segunda porta-bandeira da Grande Rio - Renata; onde fica registrado nossos primeiros passos no caminho que resolvemos trilhar ainda crianças.

Renata e eu na ala mirim em 1996.

Eu, entre os jovens mestres-sala de 1998.

A presença de minha mãe, desde o início.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A Grande Rio que você não conhece!

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Lucas Pinto: memória para contar os carnavais esquecidos.


No dia 17 de Setembro de 2009 realizei minha primeira entrevista para o acervo do blog. Confesso que essa é a vertente que mais me desperta uma erupção de sentimentos que vão desde o nervosismo pela responsabilidade de estar diante do entrevistado, à alegria de ser agraciada em ouvir estórias que poucos conhecem. Iniciei esse processo tendo a pretensão de trazer a tona o passado de minha agremiação pela memória de um antigo carnavalesco nosso: Lucas Pinto; que contribuiu no início dos anos 90 com belos enredos para a história inicial da Grande Rio.
Acredito que contar essa história e fazer com que a memória do carnavalesco traga para a atualidade suas considerações e lembranças sobre a construção de nossos carnavais iniciais tenha uma considerável importância. Hoje, nada ou quase nada de nossa história pode ser conhecido a medida em que esse passado não é valorizado e popularizado. Criou-se a falsa verdade de que tudo na história da Grande Rio foi construido de maneira fácil e beneficiada pelo dinheiro que nem sempre existiu. Criou-se um estigma geral e mentiroso de que nossos carnavais sempre foram pautados no capital, e que estivemos ao longo desses mais de vinte anos, alheios as considerações pertinentes ao mundo do samba.
Quem folhear as revistas, procurar em jornais ou buscar na internet nossa história; não a encontrará! Só irá existir uma meia duzia de momentos irrelevantes contados como maravilhas de carnaval. As personalidades que vocês encontrarão talvez tenham ajudado muito pouco a construção do que somos, e nossa história parecerá muito recente.
Sei que não será aqui que a visão que a maioria das pessoas possuem sobre a agremiação irá mudar. Minha pretensão nem é essa. Aqui, estará escrita uma página que a maioria desconhece. Aqui estará um trecho da mémoria que nem o site da agremiação conta. Aqui estão passagens humanas, histórias de vida, nomes comuns, desfiles sem foto...aqui está um momento - que passou eu sei - que mostra o amor, o mesmo amor que alguns homens destinaram sem interesse a outras agremiações, e que está presente em nossa trajetória ao longo da luta para sobrepor obstáculos.
Lucas Pinto, que é conhecedor de muitas estórias e as narra com uma sabedoria que nos prende a cada fato contato, me concedeu a alegria de passar parte da tarde em um dos ateliês do quarto andar do barracão da Grande Rio como expectadora de sua memória sendo transformada em palavras para que esse passeio ao passado fosse possível.
Não há livro, e os registros do que vou contar são poucos ou inexistentes. Ele, que trabalhava com moda relacionada à alta costura, lançou mão da memória para recontar seus primeiros passos no carnaval, seus desenhos iniciais - como figurinista na Acadêmicos de Santa Cruz - sua experiência nos antigos barracões que se localizavam no Pavilhão de São Cristovão, relembrou o nome de seus mestres - Viriato, Arlindo, Joãozinho 30 e Max Lopes, sendo o ultimo, referência especial - e, para meu interesse e alegria, recontou um periodo muito especial e pouco valorizado da agremiação da qual pertenço, misturando seu apego as artes, à construção de uma agremiação que "engatinhava" no universo do carnaval.
Com sua ida para a agremiação de Caxias - através da indicação do sr. Kiro, que citou seu nome para o Presidente de Honra Jayder Soares - Lucas ingressa na "Família Grande Rio" contribuindo para o crescimento da escola alguns anos após sua fundação. Sua passagem pela escola remete à uma época em que a mesma enfrentava muitas dificuldades, que não tinha a infra-estrutura que tem hoje, mas, apesar disso, mesmo com as dificuldades por ele narrada, era uma época em que os enredos poéticos eram soberanos na maioria das escolas, e na Grande Rio, Lucas foi o poeta que nos presenteou com belos enredos - que por consequência renderam belos sambas - que marcaram a história da agremiação na década de 90.

Desfile "noventão": Os Santos que a Africa não viu.

A Grande Rio da primeira metade dos anos noventa era um "sonho sonhado" por muitas cabeças. Seus enredos e estrutura estavam à altura daquele seleto grupo de agremiaões - do qual ela passou a pertencer em muito pouco tempo - onde a maioria já contava com longas decádas de glórias e reconhecimento. Transformada em Acadêmicos do Grande Rio a partir de 1988 - com a junção definitiva com a Acadêmicos de Caxias - a escola iniciou uma escalada de ascensão que a colocou, já em 1991, no seleto grupo das Escolas do grupo especial do RJ.
Com pouca experiência para aquele universo de gigantismo que se abriu de maneira muito rápida, o desfile de 91 não implacou e a décima sexta colocação fez com que a Escola retornasse para o acesso A. Nesse período, entra para a história da Grande Rio o nome de Lucas Pinto. Ele foi o responsável pela construção do carnaval que alcançaria o campeonato e garantiria o retorno da agremiação para o Grupo Especial de maneira definitiva.
Com a volta da Grande Rio para o Grupo de Acesso no carnaval de 1992, Lucas fez sua estréia na escola ao apresentar o enredo "Águas Claras para um Rei Negro". O enredo baseado na mitologia afro-brasileira é considerado por Lucas como um dos mais bonitos que a agremiação já apresentou. A idéia era mostrar um negro rei, bonito, forte, valente! Além de poético, o enredo tinha um fundo político em que a intenção era a valorização do negro. Muitas alas representaram orixás - como a que fazia alusão a divindade Oxum com negras de seios nús - além de muitas citações sobre a cultura negra através da representação de oferendas ritualísticas e das baianas vestidas de branco carregando nas saias bandeiras tal qual é comum nas festas do candomblé. Merecem destaque ainda a comissão de frente - em que seus 13 integrantes estavam vestidos de Oxalá - o abre-alas - em que o símbolo da escola estava desmembrado e era iluminado por mais de 1900 lâmpadas - a roupa da bateria - que no chapéu haviam 6 pombas onde na visão geral davam a idéia de uma revoada de aves brancas - e a possibilidade de poesia gerada pela sinopse que rendeu um belíssimo samba dos compositores G. Martins, Adão Conceição, Barbeirinho, Queiroz e Nilson Kanema, que emoldurou com maestria a idéia do carnavalesco.
O campeonato foi inevitável e a Escola sagrou-se campeã do Grupo de Acesso retornando ao Grupo Especial para o carnaval do ano seguinte. Em contradição à vitória, Lucas foi afastado pela diretoria da agremiação ficando fora do desfile de regresso ao seleto grupo especial.
Todavia, a interrupção da história entre o carnavalesco e a Grande Rio durou muito pouco, já que, para o carnaval de 1994, ele estava de volta ao posto com o enredo "Os Santos que a África não viu".O que parecia impossível aconteceu, e o carnavalesco apresentou um enredo afro de poética e beleza superior aquele por ele concebido dois anos antes. Pautado na história tradicional, em seu conhecimento a cerca do tema e com uma pitada de poesia, contou-se na Avenida a história da umbanda brasileira narrada por um Zé Pelintra. A escola mostrava a África Cultural e a África Negra através do nascimento da umbanda brasileira lançando mão de imagens fortes como a apresentação de uma comissão de frente formada por homens caracterizados de Zé Pelintras; duas alas de baianas tradicionais - sendo que numa delas a fantasia era toda de palha de buriti - as passistas que se apresentaram vestidas de Pomba-Gira e com carros de impacto visual como o da alegoria que representava o navio que serviu de transporte para os Deuses e entidades; ou o carro onde haviam bichos, tambores e a imagem de uma mulher que se banhava em um cachoeira. As alas que vieram após o Abre-Alas mostraram os povos egípcios, árabes e berberes, que formaram a cultura negra abrindo caminho para que pouco a pouco cruzassem a Avenida Yemanjás, Cosmes e Damião e Exus.

Os santos que a África não viu - Dois estandartes de ouro.


O campeonato não veio, a Escola ficou em décimo segundo lugar, mas Lucas consagrou sua poesia. Recebeu das mãos de Aroldo Costa o estandarte de ouro de melhor enredo para aquele carnaval, que somou-se ao recebido por Nêgo como melhor interprete de 1994 no motivo de orgulho para a comuniudade de Caxias que ainda hoje canta com um sorriso largo "Quem sou eu... Quem sou eu?"..."Tenho o corpo fechado"..."Rei na noite sou mais eu!!!"
Continuando na escola para o carnaval de 95, Lucas partiu para uma linha de poesia baseada num conto de fadas. Para ele, foi o enredo mais bonito que o próprio fez na Grande Rio. A idéia, era contar a história de Manaus sob o titulo de "História para ninar um povo patriota" debrussando-se na história da Zona Franca de Manaus como um conto de fadas contado para criança onde o rei Amazonas, responsável pelo ecossistema mundial de responsabilidade do Imperador Brasil, vivia tranquilamente com sua filha Manaus, numa terra rica em borracha, até a vinda da Rainha Inglaterra, que levou, sem que ninguém soubesse, setenta mil espécies da planta que brotava o líquido que valia tanto ou mais que ouro, para serem plantadas em seus terrenos na Malásia. Tal atitude caiu como veneno para a Princesa Manaus, fazendo-a adormecer num sono profundo durante quase dois séculos, quando o Príncipe da Tecnologia a beijou, acordando-a para seu futuro.

Belo colorido de um desfile problemático: Carnaval 1995.

Apesar de toda a poesia que havia no enredo, aquele carnaval não foi um conto de fadas. A construção foi problemática e isso prejudicou o desfile. Com a ausência momentânea de Jayder Soares, assumiu a Presidência o sr. Otávio, que alhiando sua intolerância à inexperiência com carnaval, fez com que pessoas importantes para e escola se afastassem, sendo uma delas, o atual do Presidente da escola, Helinho de Oliveira.
Apesar da festa de pilotos ser considerada por Lucas o sonho do que era para ser o desfile, a trajetória da construção do carnaval após a ausência forçada de Jayder Soares foi complicada. Como o percursso até o desfile foi dificil, a escola refletiu seus problemas na avenida. O desfile mostrou-se confuso, as alegorias estavam mal acabadas, a escola não tinha a mesma alegria de antes, não era a mesma Grande Rio de antes. Seguindo esses traços, nem o bom samba de Adão Conceição, Marquinhos do Açougue, Paulo Mumunha e Anízio Silva que dentre outros versos narravam "Com isso a princesa adormeceu" ..."Entre fadas-madrinhas, no seu sono prosseguia" ...."Pra despertar do berço da ecologia" ...."E o príncipe encantado, Manaus ele beijou" ...."Para tecnologia a princesa acordou" funcionou, e a escola não agradou obtendo a décima sexta colocação.
O carnaval de 95 parece ter sido retirado da memória não apenas de Lucas, mas também da memória de todos os torcedores da escola. Esse carnaval nunca é lembrado e até o belo samba não é mais cantado na quadra. Não se ouve mais em Caxias os versos "Embala eu, embala eu"... "Pátria mãe, gentil"... "No despertar deste sono".... "Encontrei meu sonhado Brasil..."

Lucas Pinto e eu - Setembro de 2009

É com prazer e orgulho que começo a dividir com vocês a história que não é contada da minha escola. Tive a sorte de conhecê-las e com a criação do bandeira da memória começo a usar este espaço para contar esse trecho, e outros que ainda estão por vir. Abaixo, a entrevista onde o que escrevi resumidamente acima me foi contado. Aproveito para agradecer ao Lucas, tudo o que me foi contado. A ele, minha gratidão! Por hoje, e por ontem.

Abaixo, a transcrição de alguns trechos da entrevista realizada em 17/09/09.


Squel - Lucas, como se deu o início da sua carreira no universo do carnaval?


Lucas - Começou assim: Eu trabalhava com moda, com a alta costura. Quando surgiu o convite para ser figurinista da Acadêmicos da Santa Cruz no enredo "Braguinha, Carnaval dos Sonhos". Fiquei um tempo distante por causa do meu envolvimento com moda. Às vezes, eu desenhava mas não podia estar presente no barracão. Através de um conhecido fui para a Unidos do Jacarezinho, por essa escola desenvolvi o meu primeiro carnaval e fui campeão com o enredo "Parabéns pra vocês comunicadores infantis". Depois, trabalhei como assistente do Max Lopes na Viradouro e na Imperatriz.


Squel - Quais foram os seus mestres?

Lucas - Era apaixonado por Viriato por causa do traço. Adorava a forma como o Arlindo trabalhava com as cores, o luxo e a beleza. O João é referência para todo mundo. Ele é o responsável pela mudança no carnaval, é o divisor de águas! Ele é quem permitiu tudo isso que vemos hoje. Mas escolho o Max, porque ele vai ter uma relação muito forte pelo estilo de roupa e carnaval que ele faz com relação à alta costura. Max pra mim é referência.

Squel - Fiquei sabendo que você trabalhou nos barracões que ficavam no Pavilhão de São Cristovão. Como eram esses barracões?

Lucas - (rs) O carnaval do pavilhão era totalmente diferente do carnaval da cidade do samba. Também não era parecido com os antigos barracões. Não quero ser saudosista, dizendo que lá era muito bom. Nada é melhor que hoje! Mas o carnaval de hoje perdeu a mágica pra algumas coisas. Perdeu algumas coisas engraçadas. Lá no pavilhão eram poucos os barracões que tinham seus próprios telefones. Tinha-se um telefone comunitário em que se anunciava que determinada pessoa estava sendo chamada por um auto-falante. E as pessoas começavam a gritar - telefone! telefone! Saia-se correndo para atender a ligação.
Outra coisa engraçada eram as sextas em que se misturavam o carnaval com a feira dos nordestinos. Imagina!? E isso se estendia ao carnaval. Era dia de desfile acontecendo e do lado externo a montagem de uma feira acontecendo. Imagina? O carnaval no sábado e domingo, os carros alegóricos saindo dali engatando nos fios elétricos. E a feira ali sendo realizada. Era muito complicado, mas era engraçado.
Com tudo isso, ainda havia um glamour. É uma pena...se perderam algumas coisas. Mas também algumas pessoas passaram, já foram embora. Pessoas que eram fabulosas que deixaram saudade. Por exemplo: eu acho que quem viu o Dr. Castor de Andrade chegar no sambódromo e provocar o setor 1 nunca mais vai se esquecer. Não terá outro que vá fazer aquilo ali, ele gostava daquele momento. Era o momento das portas - bandeiras. Das famosas mulatas que vinham do exterior. Que chegavam na semana do carnaval e iam visitar os barracões para ver os seus lugares, as suas fantasias.

Squel - Você conta uma história engraçada sobre a rivalidade das escolas no Pavilhão de São Cristovão. Como era?

Lucas - Tinha umas coisas engraçadas. Imagina? Era tudo fechado. Quando chegava perto do carnaval por exemplo - Era um evento quando a Portela testava a sua águia. Que era toda construída em baixo. Mas quando a águia ficava pronta ela tinha que voar! Então era o teste do voô da águia; do bater das asas; o grito da águia. Imagine...a águia aos gritos dentro do pavilhão! Com isso as outras escolas começavam a expor o que tinha de melhor em seus carros. Mas apesar da rivalidade. Era bonito de se ver a solidariedade de todos. Quando alguém gritava fogo! Todos saiam com seus extintores para ajudar. O bombeiro era longe. E o pavilhão era um paiol de pólvora, era ao mesmo tempo perigoso e apaixonante. Encantador. Mas não se compara com a estrutura de hoje. Realmente eu não sou nenhum pouco saudoso. Se me perguntar se prefiro o passado ou o agora respondo que prefiro o agora. Adoro o futuro!

Squel - Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar na Grande Rio para realizar o carnaval de 1992?

Lucas - Existia um senhor chamado Kiro ( já falecido ), que era o Presidente da Associação. Ele era amigo do Jayder e citou meu nome para ele. Graças à ele conheci a Família Soares que viu o enredo - que eu já havia apresentado no Império Serrano - num concurso onde vários carnavalescos apresentavam seus enredos. Mas apesar de ter sido aplaudido de pé pela Comissão de Carnaval, não sai vitorioso. Mas foi aprovado pela Comissão de Carnaval da Grande Rio que tinha o Laíla como integrante, como o Diretor de Harmonia.

Squel - Como era fazer o carnaval da Grande Rio no início dos anos 90?

Lucas - Era assim...a Grande Rio tinha vindo de um carnaval em que a escola havia gasto muito dinheiro. A escola enfrentava muitas dificuldades. Não se tinha a infra-estrutura que se tem hoje.

Squel - Você lembra onde era o barracão na época? Como era a estrutrura?

Lucas - Quando cheguei (rs). Fui conhecer o barracão da escola que ficava no Sarapuí. ( bairro de Caxias que tem saída para a rodovia Washington Luiz ) Quando retornei de lá disse para o Presidente - Não...Presidente não pode...uma escola de samba não pode ter um barracão lá! Ele então me disse - Vamos procurar um outro lugar. Pegamos a Avenida Brasil e descendo por ela encontramos um galpão em frente ao Mercado São Sebastião, ali ficou um tempo. A estrutura do barracão na Avenida Brasil era infinitamente melhor do que a do Sarapuí. Basta já não ter um rio do lado cheio de mosquitos (rs). Repare por ai! Porque o rio passava dentro do barracão! Já o da Avenida Brasil, talvez tenha sido o primeiro barracão onde o carnavalesco tinha uma sala de vidro. Para se ver as alegorias de cima. Era meio bagunçado. Meio arrebentado. Mas não podemos esquecer que era um galpão. Mas pra época, era uma boa estrutura. Tinha salas que davam para a sala do Presidente, tinha salas para costuras, tinha estacionamento interno. O carnavalesco era privilegiado com a sala de vidro. Já se tinha uma visão aérea das alegorias como é na Cidade do Samba. Diferente dos outros barracões...

Squel - Nos anos 90, época em que grande parte das escolas apresentavam enredos poéticos, o comercialismo já estava introduzido no carnaval. Como era?

Lucas - Era assim...o marketing percebeu e ainda não percebeu. Quer dizer. Ainda vai ser futuro. É assim...as empresas entenderam que era legal investir no carnaval. Que havia um retorno. Só que as empresas ainda não perceberam como pode ser isso. Elas ainda fazem questão de que a marca saia. E ai? Eles ainda não sacaram que o caminho não é esse. O caminho é o investimento, com a liberdade da criação. Tipo assim - a minha empresa de aço quer investir na cultura. Mas não obrigatoriamente o enredo tem que ser sobre o aço! O enredo pode ser qualquer um! O enredo tem que ser bom! E ai no dia do desfile sai em todos os jornais do Brasil assim - Logo mais no sambódromo a Empresa X estará patrocinando o enredo da escola Y. Ele já fez o merchandising dele ai, já fez a propaganda. Então no futuro, tenho certeza que exista o marketing no carnaval. Que continue a existir essas empresas. Por exemplo - no intervalo entre uma escola e outra, se anunciasse que e a empresa X estará patrocinando a próxima escola à desfilar. Ela não ia poluir a escola. Ela não ia poluir o carnaval. O enredo poderia ser qualquer um. Pois, já havia sido anunciado qual empresa estaria patrocinando a escola à desfilar. Assim os enredos voltariam a ser poéticos. Poderia voltar a ser romântico. É aquilo. O João trouxe uma liberdade para as escolas de samba. Liberdade é um voô livre, não tem fim. E apartir do momento que não se pode ir além , deixa de ser liberdade. Mas agora tem o seguinte. Você vai valorizar as cabeças pensantes. Como por exemplo - Esse enredo patrocinado pela AMBEV. Torna necessário que o carnavalesco seja criativo. Para que não fique explícito a marca. Então, é uma forma do carnavalesco se projetar. E hoje o carnavalesco tem uma missão parecida com a do compositor. Hoje, joga-se a idéia nas mãos do carnavalesco e ele tem que trazer soluções. Senão trouxer soluções, não vai mostrar competência. Hoje se tornou muito complicado essa construção. É claro que ainda tem escolas que não tem esse nome todo. Graças à Deus a Grande Rio tem, porque o patrocinador prefere fazer com a escola. Mas tem escolas que não conseguem patrocinador e tem que manter o enredo tradicional e assim batalhar com os recursos que eles tem. Mas tem aquele negócio, né! Quem tem mais começa a trabalhar na frente, essa é a diferença. O carnaval não é só no dia. Tem determinadas notas que saem de casa. Como samba-enredo e enredo, por isso tem que ser muito bem pensado, tem que ser o melhor para aquele momento.

Squel - Para o carnaval de 1992, você trabalhou ao lado da Sônia Regina. Quem é ela?

Lucas - Quando fazia o Jacarezinho, conheci uma baiana que se chamava Sônia Regina. Ela era desenhista projetista. Ela foi trabalhar comigo na Viradouro porque o marido dela que se chamava Dirceu me falou o seguinte: a mãe dela estava com leucemia e que era necessário a Sônia não saber. Pois, se ela soubesse acabaria morrendo com a mãe. Eu fiz o seguinte: Como ela era desenhista projetista a convidei para ir trabalhar comigo na Viradouro. Naquela época eu fazia para o Max as baianas, a bateria, mestre- sala e porta- bandeira, e comissão de frente. Pedi para ela ser a minha assistente . Assim seria uma forma dela não estar em casa na hora em que a notícia do falecimento chegasse. Eu teria dado à ela uma responsabilidade, assim ela não poderia chorar muito. Ela tinha que chorar, mas tinha que trabalhar. Quando vim pra Grande Rio, como ela era projetista entreguei à ela a responsabilidade de projetar os carros. Ela começou a ficar vaidosa. Esqueceu a essência da amizade. Tive alguns problemas por conta da vaidade dela. Ela trabalhou comigo só nesse ano. Ela ainda trabalhou em outras escolas do grupo especial como assistente de outros carnavalescos.

Squel - Em 1992 a Grande Rio foi campeã do grupo de Acesso A com o enredo " Águas Claras para um Rei Negro". De onde surgiu a idéia para desenvolver esse tema?

Lucas - Considero esse enredo como um dos mais bonitos que a Grande Rio fez. Eu já tinha esse enredo pronto. Minha idéia era mostrar uma visão diferente da história do negro. Não queria mostrar o negro escravo, acorrentado, submisso ao homem branco. Quis mostrar um negro feliz. Um negro soberano. Um negro Rei, bonito, forte, valente. Minha intenção era mostrar que apesar de poético. Tinha um fundo político. Um fundo social. Para valorizar o negro na nossa sociedade. Tive a felicidade de fazer nesse ano em que o Collor havia sido empossado recentemente Presidente da República. E pela primeira vez os caras pintadas apareceram. Nós pedíamos a saída dele. Em cima de uma alegoria da Grande Rio os caras pintadas apareceram como protesto, mais tarde eles apareceriam em Brasília. Nós falávamos que haveria de nascer um Negro Rei. Para trazer justiça social. Falávamos de dificuldades, moradia, comida. Era um enredo atualíssimo! São problemas que vivemos até hoje. Já falávamos lá atrás sobre eles. Sobre esses problemas que continuam atuais. Reinvindicávamos por Caxias. Que era muito mais carente do que é hoje. Nós reinvindicávamos isso. O reconhecimento da Grande Rio.


Squel - Você lembra como foi visulamente o desfile?

Lucas - Foi muito bonito. Mas me falha a memória! Lembro da comissão de frente em que os integrantes vieram vestidos de Oxalá. O abre-alas era o desmembramento do símbolo da escola. Havia a usina,a coroa em neon...No chapéu da bateria haviam ( eu acho ) 6 pombas, então no foco geral parecia uma revoada de pombas brancas. Lembro também que tinha duas alas de baianas...Um dos pontos altos desse desse desfile foi o bom samba.


Squel - Mesmo conquistando o campeonato no Acesso, você não acompanhou a volta da escola para o grupo especial. Porque não permaneceu?

Lucas - Eu não tenho mágoa disso não! Até porque eu via que a Grande Rio na época precisava da mudança. O Louzada na época tinha mais nome do que eu, ele é muito bom! Veio com um lindo enredo para o carnaval de 93. Aliás, ele fez dois grandes enredos na escola ( No mundo da Lua 93/ Madeira- Mamoré 97 ), que foram lindos desfiles. Costumo dizer o seguinte: Sempre estive no carnaval com grandes idéias. Mas em momentos em que eu não podia acontecer! Fui substituído e fui para a Santa Cruz. Fui fazer Carnaval! O que eu podia fazer se não estava dentro do projeto da escola?

Squel - Como se deu o seu retorno para desenvolver o carnaval de 94?

Lucas - Pois é...para 94 a Grande Rio me chamou e fiz, Os Santos que a África não viu.

Squel - De onde surgiu a idéia do enredo Os Santos que África não viu?

Lucas - Esse enredo faz parte de uma série de enredos africanos que eu tenho escrito. Na época, a igreja quis vetar por causa da palavra "Santos". Mas era uma bobagem! Porque Santo quer dizer comum. Não briguei na época, acatei a decisão deles da melhor forma possível. Não tinha nada demais, mas mesmo assim, não permitiram que as minhas baianas viessem carregando os terços que eu mesmo comprei na Igreja de São Jorge. A idéia do enredo era mostrar o nascimento da umbanda brasileira.

Squel - Porque você escolheu o Zé Pelintra para contar o enredo?

Lucas - Foi assim...eu tinha o enredo todo escrito, mas alguém tinha que contar essa história pra mim. Tinha que ser alguém, teria que ser uma figura da umbanda brasileira. Um dia estava no Império Serrano, numa roda de amigos quando o Tico do Gato surgiu na quadra vestido de Zé Pelintra. Ai eu disse: gente eu tenho que ir embora! Preciso terminar um negócio na minha casa (rs). E ai arrematei o enredo. Depois eu conheci o próprio Seu Zé Pelintra da Camisa Amarela que era do Nordeste, viveu no Nordeste e manisfetava uma pessoa. Ele veio ao Rio e conheci a pessoa que deu origem ao nome Zé Pelintra. Na época eu fazia o Programa Sem Censura com a Leda Nagle, na TV Educativa. Uma pessoa disse que eu era louco em colocar um enredo desse na avenida, porque eu poderia morrer! Eu disse: Imagina! Ele é meu amigo! Vai me matar porque? (rs).

Squel - E como foi a construção desse carnaval?

Lucas - Foi muito legal. Nós todos éramos muito crianças. As dificuldades ainda eram grandes. A escola havia gasto muito dinheiro no ano anterior e para aquele ano de 94, a escola estava meio capenga de grana. Por isso a redução de algumas alas. Mas foi bom! O importante é que eu estava junto disso. A escola segurou.

Squel - E os carros alegóricos?

Lucas - Do que eu me lembro...me recordo de um carro que era um navio que serviu de transporte para esses Deuses Africanos. Era muito bonito, muito interessante. Tinha um carro que havia uns bichos africanos, nele haviam tambores, uma mulher que tomava banho em uma cachoeira. Me lembro bem do carro de Exú, tinha um carinho muito grande por este carro. Queria que ele ficasse muito bom. Porque nesse carro vinha toda a família do Presidente Helinho. Em relação as fantasias...a comissão de frente veio de Zé Pelintra, as passistas de Pomba-Gira. Nesse ano também haviam duas alas de baianas. Uma dessas alas de baianas tinha a fantasia toda feita de palha, era linda! Mas era um sofrimento pra fazer aquilo lá. Era tudo costurado à máquina! Era palha de buriti. Não consigo me recordar de muita coisa (rs).

Squel - Quais foram Os Santos que a África não viu?

Lucas - Foram o Bejê Caboclo, o Preto Velho. Que são Orixás que não existiam na África. São Orixás brasileiros, esses foram os Santos que a África não tinha visto. Ou seja, que foram Santos cultuados através do sincretismo religioso. Que aconteceu entre o branco, o negro e o índio. Como Iemanjá; a figura do Saci; o próprio Zé Pelintra; os Caboclos; os Pretos Velhos. Queria provar que o candomblé chega ao Brasil através da bandeira hasteada pela umbanda brasileira.

Squel - A que você atribui o fato de ter ganho o Estandarte de Ouro como melhor enredo?

Lucas - Esse enredo era antropofágico.Eu provava que aquela religião foi criada no Brasil pela junção das três raças.

Squel - O que você achou da colocação da escola em 94? 12 lugar.

Lucas - A escola já entra na avenida estigmatizada pelo nome. As pessoas ainda querem atribuir à escola essa coisa de escola de artistas! Não! Os artistas não moram em Caxias! É diferente, os artistas gostam da escola. Agora a escola não tem culpa de que as pessoas gostam dela, entendeu? Até houveram erros no desfile. Mas a escola era nova, estava abrindo desfiles. A escola era perseguida, tem que acabar com essas coisas em relação à Grande Rio. Já vi acidentes piores do que apagar os carros alegóricos, eu já vi! E a escola não foi penalizada. As pessoas tem que entender que cada escola tem seu estilo. Porque as outras são respeitadas com seus estilos e a Grande Rio não? Por ser uma escola que em seu contingente desfilam artistas? É o estilo dela! Isso é uma característica dela. Há escolas de samba que são high-tech; a outra é porque o surdo bate mais compassado; outra porque faz movimentos; a outra porque tem um bicho grande que voa. Ora! A Grande Rio tem como característica que em seu desfile existam pessoas famosas. É uma questão de olhar, de julgar pelo trabalho e esforço que ela faz. Não querer dizer que ela é esnobe. A escola não pode dizer que não quer artistas, porque senão ela perde pontos. A escola não pode agir dessa maneira. Porque ai, ela vai estar discriminando o ser humano e ele não tem culpa de ter o dom de ser artista!

Squel - Em 95 com toda poética criada em cima da Zona Franca de Manaus, a escola obteve o 16 lugar. A que você atribui isso?

Lucas - É o enredo mais bonito que fiz na Grande Rio. Mas foi assim...foi uma das piores situações que a escola passou. Tinha o afastamento do Jayder. E teve um homem que foi a grande "garfa", era um homem que foi colocado dentro da escola como Presidente e para ele, como ele mesmo dizia: samba é feito por um homem que bate bumbo e uma mulata sambando. Nada andava, nada resolvia, nada acontecia. Ele aborreceu o Helinho que foi embora. Aborreceu o Walcir e este também foi embora. Foi todo mundo embora. Praticamente ficou eu e o Cahe ( atual carnavalesco da Grande Rio ) que já era meu assistente resolvendo tudo comigo. Mas nada andava, nada terminava. Não tinha gente para trabalhar. Não pagavam as pessoas. Tipo assim: você chamava o escultor. Pra ele era caro. Você chamava o decorador. Também era caro.Tudo era caro pra ele! Se você me perguntar o que eu lembro desse enredo na avenida. Vou te dizer que não lembro. Só lembro da festa dos pilotos. A única coisa da qual me lembro. Ninguém da Grande Rio sabe disso, no dia do desfile a TV Globo grava uma matéria com os carnavalescos antes da escola entrar na avenida. O carnavalesco ficava numa sala escura, me passaram o microfone e diziam pra mim: Fala ai... e eu tinha que falar assim: Oh! É a Grande Rio entrando na avenida! Tá linda! Tá linda! - Na hora em que acenderam as luzes não consegui falar. Comecei a chorar. O Legey saiu da ilha ( ilha de edição ) e me perguntou o que houve. Respondi que não podia dizer isso. Ele me perguntou o porquê. Respondi dizendo que não é verdade. A minha comunidade está sem o presidente, a minha comunidade está sem ninguém...como é que vou fazer isso? Como é que vou mentir? Entende Legey? Ele virou pra mim e falou assim: então faz o seguinte...você vai lá pra dentro e fala o que você acha. Eu disse o seguinte: A Grande Rio é uma escola de samba, cujo seu patrono está afastado. Mas a escola é a sua memória. É a luta que seu patrono deixou. E eu gostaria que todos vocês a vissem com bons olhos... ( Percebo que a fisionomia e o tom da voz de Lucas mudam. Percebo que ele estristeceu ao lembrar desse período. É um momento de emoção para ele recordar desse momento ). Uma das poucas coisas que vi do desfile foram as coisas passando no ferro, com arame exposto... Tento me esforçar para lembrar de alguma coisa boa do desfile mas não tenho coisas boas pra contar. Foi muito complicado. Não era aquela alegria da escola Grande Rio, não era aquela escola! Aquilo que estava ali não era o Jayder, não era o Helinho, não era o sonho do Wallace. Era triste...sofri muito. A escola não merecia isso, né. O sonho era outro! Nossa! O sonho era a festa de pilotos, se a gente faz...eu até hoje pego a fita que tenho gravada a festa de pilotos, assisto e digo: Esse enredo!...se faz ele de novo!...Não sei não!...Mas é isso ai. É carnaval!

Squel - A idéia do enredo era muito bonita.Como ela surgiu?

Lucas - A idéia era fazer uma homenagem ao Amazonas. Isso era uma coisa que o Jayder queria. Peguei uns livros e nós fomos ao Amazonas. Fomos à Manaus, lá conheci um monte de gente e essas pessoas me deram livros para que eu pudesse saber à respeito. Descobri durante a leitura, percebi que a lenda da história de Manaus se parecia muito com as estórias contadas pra crianças. Tinha essa coisa de gata borralheira e bela adormecida. Olhei por esse caminho e vi que podia existir um grande imperador chamado Brasil, que tinha vários reis e por ai vai. Desenhei esse carnaval todo em cima de um barco navegando pelo Rio Negro. Até hoje tenho a camiseta do barco que me conduziu. Fiquei uns 15 dias nesse barco. Eu ficava no barco! No final de semana o barco atracava para o Jayder entrar. Nós íamos andar por alguns lugares como ir ao encontro das águas. Esse enredo foi todo construído, todo concebido em cima de um barco.

Squel - E a sinopse?

Lucas - Fiz um livro de contar histórias que tenho até hoje. Contava a história desse Imperador chamado Brasil que em seu império haviam vários reis. Um desses reis se chamava Amazonas, que tinha uma filha chamada Manaus. Na história Manaus adormecia por causa da bruxa, a Rainha má chamada Inglaterra. Depois de um sono profundo ela despertava com um beijo dado pelo Príncipe da Tecnologia. Era muito bonito esse enredo. Mas...não deu. Fazer o que, né? Mas um grande enredo!

Squel - Seus enredos remetem a um período muito especial da história da Grande Rio. Estávamos nos firmando no Grupo Especial. De que forma você acha que contribuiu para a formação da identidade da escola?

Lucas - Hum...não sei...contribuí fazendo parte dessa família como um ser comum. É...a escola tinha algumas carências. Eu sempre tive essa coisa ligada à comunidade, sempre que podia estava na quadra frequentando os seus ambientes, frequentando as famílias da quadra. Eu gosto! É a minha cara. Acho que fiz algumas coisas. Fiz de coração aberto.Fiz por amor! Fiz festas de pilotos lindas por amor. Briguei com algumas pessoas por amor. Torci para que tudo desse certo. Acho que contribui fazendo as pessoas se apaixonarem pela agremiação. Quando entro na quadra e vejo que alguns chefes de ala são os mesmos da minha época, acho que fiz alguma coisa legal, né? Vejo o Paulo 10 que permanece na escola. Um monte de pessoas que continuam na escola. Acho que é isso. A escola é uma família. Diferente de algumas escolas de samba pelas quais passei.

Squel - Qual era a visão dos dirigentes em relação ao futuro da Grande Rio na época?

Lucas - Eles sempre falaram que a Grande Rio seria uma grande escola de samba. Apesar da falta de experiência da parte deles com o carnaval. O único que entendia e tinha visão de carnaval era o Perácio. O Jayder embarcou na idéia do irmão Wallace e com o falecimento dele, o Jayder prosseguiu dando continuidade ao sonho do irmão. O Helinho além de amigo é o braço direito de Jayder nos negócios. Acabou embarcando na idéia que o amigo estava seguindo. Apesar da inexperiência deles, persistiram, dedicando suas vidas à escola com a intenção de torná-la grande assim com seu nome...fazendo dela o sonho da "feliz cidade".

Squel - Pra você qual é a importância de Wallace Soares para a trajetória da Grande Rio?

Lucas - Quando cheguei na escola ele já havia falecido. Mas sempre ouvi do Jayder as histórias que ele contava à respeito do irmão. E percebi que o Jayder havia embarcado na idéia do irmão que viu ali na escola que estava apenas em seu início o sonho da Cidade de Duque de Caxias. Na época a Cidade era muito mais carente do que é hoje. Esse slogan de " O Sonho da Feliz Cidade " era o que Wallace queria que a escola torna-se. Graças à idéia levada por Perácio à Família Soares. Contando com o apoio de Wallace que fez o irmão Jayder e o amigo Helinho abraçarem a idéia com ele. Graças à eles ( Jayder, Helinho e Perácio ) o sonho de Wallace está ai. Tornou-se uma grande escola como eles queriam. Hoje contam com seu filho Leandrinho que é Patrono da escola.


Squel - Hoje você novamente faz parte da equipe que projeta o carnaval para 2010. O que você enxerga na atualidade da Grande Rio, daquela que você viu nascer?

Lucas - Ano passado acompanhei pouco o trabalho do Cahe por estar em São Paulo. Não ajudei da forma que queria. Esse ano tive a oportunidade de estar na equipe assim ajudando da melhor forma possivel com a minha experiência o Cahe neste carnaval. Para que possamos conseguir esse tão sonhado título. Vejo que a escola vem acertando. E quando erra, ela procura ver onde errou, assim consertando o que estava dando errado. Agora o que eu enxergo hoje na Grande Rio que eu vi nascer? Enxergo a mesma Grande Rio com o espírito familiar da minha época. Vejo que as pessoas continuaram se dedicando à escola, ocupando os mesmos cargos sem serem incomodadas, sendo respeitadas. As crianças da sua época cresceram junto com a escola. É isso...a escola continua sendo uma grande família!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Para lembrar Ismael!

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A postagem de hoje inaugura uma nova “corrente” para o blog. Sempre que possível, estarei deixando aqui uma pequena biografia de nomes que merecem que sua história particular seja lembrada. Serão as memórias de compositores, intérpretes, homens e mulheres do povo, gente que merece reconhecimento pelo pioneirismo, talento e por levar adianta a tradição do samba, reinventando assim nosso carnaval. A que inaugura vem deixar gravado aqui o nome de Ismael Silva. Sambista, malandro e homem de visão que marca a história como o idealizador da primeira Escola de Samba. À ele, meu reconhecimento que aqui chega nesta singela lembrança que traz a tona seus feitos em defesa do ritmo que ele ajudou a consolidar. Salve Ismael!
Ismael Silva - a tradução da malandragem carioca.

Ismael da Silva nasceu em Niterói RJ em 14 de Setembro de 1905. Filho de um operário e de uma lavadeira, aos três anos mudou-se com a família da praia de Jurujuba (Niterói), para o bairro do Estácio e mais tarde para vários outros bairros do Rio de Janeiro. Freqüentou escola primaria no Rio Comprido e aos 15 anos compôs Já desisti, seu primeiro samba, que ficaria inédito. Dois anos depois, de volta ao Estácio, passou a freqüentar o Bar e Café Apolo e outros pontos de encontro de alguns dos grandes sambistas da época, como Mano Edgar, Baiaco, Nilton Bastos, Brancura, Bide e seu irmão Rubem Barcelos. Logo se tornou conhecido nessas rodas, e em 1925 a melodia de seu samba Me faz carinhos era gravada pelo pianista Cebola, em disco da Casa Edison. Dois anos mais tarde, doente e internado em hospital da Gamboa, foi procurado por Bide, que lhe trazia uma proposta de Francisco Alves: o cantor, na época já famoso, queria comprar um samba seu. Aceitou, e Me faz carinhos foi lançado em disco Odeon, trazendo no selo o nome de Francisco Alves como intérprete e autor.
Logo depois o samba Amor de malandro era lançado nas mesmas condições, e o êxito alcançado pelos dois discos levou o intérprete a propor-lhe exclusividade na gravação de toda a produção do sambista. Este aceitou o arranjo (mais tarde desfeito) com a condição de que fosse também incluído seu parceiro Nilton Bastos. Assim, vários sambas como Não há, Nem é bom falar e o grande êxito Se você jurar, lançado em 1931 pela dupla Francisco Alves - Mário Reis, tornaram-se conhecidos pelo publico dos discos e do Rádio, tendo participado do coro na maioria dessas gravações. Em 1928, com os principais sambistas do Estácio, reuniu integrantes dos blocos de sujos existentes no bairro, e fundou a Deixa Falar, a primeira escola de samba do Rio de Janeiro.
Entre seus vícios: o violão e as mulheres.

Segundo ele próprio, seria de sua autoria a expressão "escola de samba", por analogia com a Escola Normal existente no Estácio, bairro de onde saíram os "professores" de samba. Fundada a 12 de agosto de 1928, desfilou pela primeira vez no ano seguinte, cantando na Praça Onze os sambas do pessoal do Estácio, com ele do lado de fora da corda, vestindo seu tradicional terno de linho branco. Nessa época, como o samba carioca guardava ainda semelhanças com o maxixe, esse grupo de sambistas – segundo afirmação dele – foi o responsável pela criação e fixação de um novo tipo de samba, cuja batida marcada por instrumentos de percussão era mais apropriada para os desfiles das escolas que surgiam.
Em fins de 1931, Nilton Bastos morreu de tuberculose e Mano Edgar foi assassinado numa briga de roda de jogo. Deixou então o Estácio e foi morar na cidade, datando desse ano suas primeiras composições com Noel Rosa, novo parceiro que conheceu através de Francisco Alves. O primeiro samba da dupla, Para me livrar do mal, foi feito ainda em 1931 e gravado no ano seguinte por Francisco Alves. Comporiam juntos diversos sucessos, entre os quais Adeus (com Francisco Alves como co-autor), dedicado a Nilton Bastos e lançado em 1932 pela dupla Jonjoca-Castro Barbosa; Uma jura que eu fiz (também com Francisco Alves), por Mário Reis em 1932; Ando cismado, por Francisco Alves em 1933; e A razão dá-se a quem tem (com Francisco Alves), grande êxito de Francisco Alves e Mário Reis em 1933. Em dupla com Noel Rosa o sambista estreou como intérprete em 1932, gravando na Odeon o samba Escola de malandro (Orlando Luís Machado). No ano seguinte lançaram, no mesmo disco, os sambas Quem não dança e Seu Jacinto (ambos de Noel Rosa). Suas composições começaram a ser gravadas por vários interpretes, entre os quais João Petra de Barros, Silvio Caldas e Carmen Miranda. Em 1937, morreu seu parceiro Noel Rosa. Esquecido durante a década de 1940, reapareceu em 1950, quando Alcides Gerardi lançou Antonico, samba de versos tristes e andamento lento, um dos mais belos de sua obra.

Junto com a sambista Aracy de Almeida em 1965.

O ano de 1954 marca um período de revalorização de antigos nomes da música popular: por promoção do cantor e radialista Almirante, realizou- se em São Paulo o Primeiro Festival da Velha Guarda, reunindo grandes nomes da música popular, entre eles o seu; na boate Casablanca, no Rio de Janeiro, estreia em 1955 o show O samba nasce no coração, onde atuou ao lado de artistas de grande popularidade nas décadas anteriores. Logo depois gravou os dois primeiros LPs como interprete de suas músicas: O samba na voz do sambista, lançado pela Sinter, e Ismael canta Ismael, pela Mocambo, ambos em 1956. Em 1964, depois de outro período de esquecimento, reaparece no Restaurante Zicartola, na Rua da Carioca, com grande sucesso. No ano seguinte atuou no Teatro Opinião, com Araci de Almeida, no musical O samba pede passagem, do qual foi feito um LP lançado pela Philips. Homenageado na Bienal do Samba, em São Paulo SP, e em programas de televisão e Rádio, voltou ao palco em 1973 no espetáculo Se você jurar, escrito por Ricardo Cravo Albin e estreado no Teatro Paiol, a convite da prefeitura de Curitiba PR. Em junho do mesmo ano gravou na RCA o LP Se você jurar, com grandes sucessos do passado e seis sambas inéditos: Contrastes, Alegria, Alias, Receio, Entrada franca e Afina a viola. Morreu no Rio de Janeiro RJ em 14 de Março de 1978 deixando um legado para a história do samba que foi revisto pelo próprio em um de seus ultimos depoimentos. Abaixo, reproduzo trechos das memórias de Ismael acerca de acontecimentos pertinentes a história do samba e de sua vida particular que nos ajuda a trazer até os dias atuais um pouco desse universo particular que ilustra de maneira sublime a criação das Escolas de samba, a malandragem do Rio de Janeiro nos anos trinta, o cenário da Música popular brasileira em fase pioneira e as questões da conciência negra. Boa leitura!


Ismael por Ismael:"...Eu nasci em 1905, em Jurujuba, Niterói. Aos três anos vim para o Estácio, com minha mãe. O Estácio fazia parte da Pequena África Carioca, que se estendia da Saúde, Gamboa à Praça Onze, da Praça Onze ao Estácio, Catumbi. Era um reduto de costumes africanos trazidos da Bahia, quando nós imigramos para cá. Convivi com essa cultura. Cultivei e fui cultivado por ela. Sou sambista. Um dos bambas do Estácio..."

Negritude:"...Sou negro e como negro devo achar meu caminho na vida. A libertação muito recente não modificou em nada nossa situação. Somos postos de lado nas escolas, nos serviços. A identidade que nos envolve é penosa e devemos lutar para preservá-la...Então, os negros se empregavam no cais do porto. Toda aquela zona era o nosso domínio. Não, o trabalho não nos integrou à sociedade, não. O contato acabou por se fazer naturalmente; embora marginalizados, participávamos da vida social – minha mãe mesmo lavava roupa para o Flamengo, as Laranjeiras e acho que São Cristóvão. Estávamos nas ruas, não é? O trabalho não nos dá nada, nem dinheiro, nem reconhecimento social. Havia era a precisão de ganhar a vida, o sustento, e isso fez com que buscássemos alternativas. O cais dava emprego, mas não para todos. A música poderia ser uma saída. Nós fazíamos música e havia o mercado fonográfico... os discos... e uma necessidade de furar o bloqueio social. O negro é muito mal visto. Branco é quem compra disco..."


Aula de samba:"...Dizem que o primeiro samba é Pelo Telefone – não é; esse é maxixe. No morro, samba é batucada. O samba mesmo nasce de uma necessidade rítmica que nos permite cantar, dançar e desfilar ao mesmo tempo. O samba tem uma história interessante e longa – vem da Bahia. Os nossos ascendentes são negros que sofreram a escravidão, que trabalharam..."

Inventando Escola:"...Bem, fundei, no Estácio, com os bambas de lá, a primeira escola de samba, a Deixa Falar. Era costume, no carnaval carioca, a disputa, que sempre degenerava em briga. A polícia batia, nós revidávamos – não era bom para ninguém, não é? A Deixa Falar nasceu do desejo de não apanhar da polícia. Alguns dizem que o samba se modifica, se adapta ao mundo social por isso. E podia ser diferente? Samba não é folclore, tem de se modificar. É a parte viva da nação. O sambista interage, anda nas brechas do permitido e vai se afirmando, se aprimorando...
Uma das mudanças que aconteceu ao longo dos anos, que faz parte mesmo das mudanças sociais do país, foi a maior participação popular. Isso pode ilustrar a importância do que fizemos, eu, Edgarzinho, Nilton Bastos, Bide e Marçal. Foi através das escolas de samba que a preocupação política se estendeu a uma faixa maior de cidadãos, que nós pudemos soltar a nossa voz e criar algum respeito..."
"...A escola de samba foi um ato programático que serviria de impulso social à integração negra. A partir da fundação da Deixa Falar, o malandro pôde brincar seu carnaval, sem ser incomodado, como os brancos, entende?..."

Deixa Falar:"...Nasceu a Deixa Falar que tinha como organização e exigência a presença de diversos elementos que se perpetuam até hoje. As baianas, exigência minha, o mestre-sala, o porta-bandeira e destaques. Não havia enredo no princípio – no primeiro ano em que a Escola desceu – saída do Buraco Quente, na Mangueira, não havia nenhuma determinação temática e para não dispersar e manter tudo certo, arrumadinho, tivemos que criar o ritmo. O segundo desfile já foi feito com enredo, era uma versão nossa da Divina Comédia, com baiana e tudo!..."
"...Deixa Falar, porque éramos atacados. Como fizemos modificações no modo de desfilar, para a segurança do grupo, os tradicionalistas disseram-nos não. Vinham saber, reclamar. Instigar. Deixávamos que falassem, por um lado. Por outro, as mudanças promovidas ao longo dos tempos trouxe uma dinâmica de desfile, onde liberdade e salvo-conduto para brincar o carnaval, sem apanhar, resultou numa maior socialização das camadas populares. A coisa é bem bolada. Tivemos reações contrárias de um e outro lado..."

Malandragem:"...A malandragem foi e é uma forma de sobrevivência, necessária. Aprendemos a defender, desde a escravidão, o nosso corpo que é o que possuímos. Isso ficou, na fama de valentia, nas danças dos pagodes dos morros. A navalha no bolso. O corpo do malandro é intocável..."
"....Malandro que é malandro não desperdiça tapa. Eu não desperdicei o que precisei dar. Mexeram com minha irmã e tirei satisfação. Noel havia me dito que no século do progresso o revólver apareceu para acabar com a valentia. O tiro não matou o sujeito, acertei sua bunda. Fui condenado a cinco anos de reclusão, pena mínima. O Dr. Prudente de Morais, neto, defendeu-me. Cumpri metade, por bom comportamento..."

Cadeira cativa: "...A escola de samba foi feita para a diversão dessas pessoas, não é? Pois, então, como nós podemos pagar os ingressos? O samba, desde que passou para a jurisdição da administração, foi perdendo essa participação popular de irmos ver o desfile e torcermos para a nossa agremiação. Eu mesmo não posso ir à avenida ver o desfile...
Todo carnaval vocês me entrevistam, falam comigo. Criticam as autoridades por não me darem um lugar de honra para ver o desfile. Acho justo, claro. Sugere daqui, insiste dali, um prefeito desses de vocês resolveu criar uma lei dando direito a duas cadeiras cativas para eu assistir o desfile. Precisava disso? Eu? Eu não pedi nada. No mesmo ano, em 1976, vieram buscar-me com o carro da Assembléia. Cheguei à avenida. Quando procurei o lugar, as minhas entradas eram para as arquibancadas.
Eu acho que tem que ser cumprida a lei. O que me deixa triste é as pessoas ainda pensarem que você é bobo. Só elas são inteligentes. Protesto, sim. Lugar nobre é nas cadeiras cativas. E no samba quem é mais nobre do que eu?

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Coisa de mulher!


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Quando a idéia de criar este espaço me veio à cabeça, a princípio, quis resgatar as estórias antigas, os fatos pouco relatados e as pessoas relevantes para a história da minha agremiação – muitas vezes encobertos por uma cortina comercial que esconde a beleza humana dos personagens que lhe dão o contorno mais definitivo. No entanto, começaram a surgir outros questionamentos. Em muitos campos da história cultural do universo em que me insiro, o comercialismo e a valorização de elementos alheios a esse contexto escondem a beleza humana que está por de trás da verdadeira história do samba. Confesso que ainda pouco sei. Mas, mergulhar nesse universo para amenizar minha curiosidade em relação a assuntos que pouco conheço, ou não tenho conhecimento algum, têm em muito contribuído para o entendimento de elementos pertinentes. Por isso esse blog! Para dividir com vocês estórias conhecidas por mim, e descobrir, outras que ainda desconheço.
Em função disso, dei inicio a uma pesquisa que há muito me intrigava: Sempre ouvi sobre os homens que construíram a história do samba com seus versos, melodias, pioneirismo,talento e me questionei sobre onde estaria nesse mesmo contexto, a figura da mulher.
De musa inspiradora à personagem ativa, o espírito feminino está presente no samba desde os primórdios. As mulheres têm lugar definitivo na história do carnaval e do samba. Muitas são anônimas, outras, grandes damas. Algumas são talentosas intérpretes, outras, mestras no verso e no improviso. Mulheres exaltadas, cantadas, mulheres do povo, cada uma rainha a sua maneira pela liderança, respeito e dedicação, não sendo exagero afirmar que muitas tornaram-se símbolos autênticos de suas agremiaçoes.
Nesse caminho de descobertas dividirei com vocês as histórias particulares de algumas mulheres que desde o final do século XIX, chegando ao século XXI, são representantes e prestam contribuição decisiva para a evolução e consolidação do samba enquanto gênero musical e sua fixação como tradição cultural. Para tal, dou partida a essa história junto ao final do século XIX onde as "Tias" Baianas tiveram papel decisivo no cenário do surgimento do samba no Rio de Janeiro.
Além de passarem para os seus descendentes a cultura ancestral que elas trouxeram da Bahia, estas mulheres eram sacerdotisas de cultos e ritos da tradição Africana, grandes quituteiras e festeiras eméritas. Com isso, acabaram reunindo em torno de sua figura a comunidade que as cercavam com música e dança nas celebrações por elas realizadas. Nessa época viviam: Tia Amélia (mãe do compositor Donga), Tia Prisciliana (mãe do sambista pioneiro João da Baiana), Tia Veridiana (mãe de Chico da Baiana), Tia Mônica (mãe de figuras do universo negro como Pendengo e Carmem do Xibuca) e mais um número sem fim de “tias” que com a sabedoria feminina se destacavam na preservação das tradições africanas seja no campo religioso seja na recriação de seus festejos “de origem” em terras cariocas. Junto aos nomes citados acima, outros viriam e transformariam a região central da cidade do Rio de Janeiro num caldeirão cultural que emanava as tradições negras por uma região que se estendia da Praça Onze, passava pelo porto e chegava a Pedra do Sal sobre o titulo batizado pelo sambista, compositor e pintor Heitor dos Prazeres como a Pequena África.

As "tias" pioneiras.


Nesse cotexto, uma mulher assumiu notoriedade pelo respeito e credibilidade que impunha sobre aquele universo. O nome de Tia Ciata esta cravado na memória do samba e sua importância é apontada por uma serie de teses, livros e artigos que não economizam elogios a sua relevância enquanto liderança natural. Batizada Hilária Batista de Almeida nasceu em Salvador em 1854 e aos 22 anos veio para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. Foi a mais famosa das tias baianas e era na comida e nas vestes tradicionais que expressava suas convicções religiosas, sua fé no candomblé e sua posição de “mestra ancestral” da tradição.
Em sua casa - considerada a Capital da Pequena África – que tinha como freqüentadores gente como Pixinguinha, Donga, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Sinhô e Mauro de Almeida, que o samba ganhou abrigo seguro, para dali nascer o primeiro levado ao disco em 1917, inaugurando a consolidação do encontro “para tocar samba” como um gênero musical propriamente dito.
Com o tempo, o samba ganhou escola e em 1935, o termo “escolas de samba” foi legalizado ao passo em que o desfile de rua foi oficializado. Na época não existia nem percurso, nem horário certo, mas era indispensável à passagem desses grupos na Praça Onze, para que as Tias Baianas - consideradas as mães do samba e do carnaval dos pobres - fossem saudades e distribuíssem sua benção demonstrando assim, a importância daquele grupo de mulheres para aquele universo.

Seguindo a linha evolutiva dessas mulheres, esse espírito de liderança espalhou-se por todas as comunidades onde as sementes do samba foram lançadas. Com o tempo, a imagem das “tias” se reformulou para tornar-se popular a figura das “Tias do Samba” como conhecemos na atualidade, sendo essas talvez, a mais definitiva representação da importância e contribuição da mulher nesse universo. Guardiões do espírito das “Ciatas”, rodando como baianas, atuando na organização ativa das agremiações, perfumando as quadras com o perfume de seus quitutes, ou com o reconhecimento e gratidão resguardado na Velha-Guarda, muitas conquistaram prestígios que ultrapassaram as fronteiras de suas comunidades.

Tia Neuma - seguindo a tradição


Baluarte da Estação Primeira de Mangueira e filha de um se seus fundadores, D. Neuma tornou-se Tia para as crianças quando, além das suas 3 filhas de sangue, adotou 27 crianças do morro oferecendo assistência desde a alimentação até a educação. A casa, sempre de portas abertas, retratava o espírito acolhedor de D. Neuma que procurava ajudar à comunidade da melhor forma possível. Referência no morro, a humilde residência era o lugar aonde chegavam as encomendas dos moradores - desde correspondências à material de construção - além do telefone que apesar de não ser o único do local, era o que todos podiam usar.
Nessa constante preocupação com o bem-estar da sua comunidade, essa mulher que enquanto assistia as crianças jogando futebol na rua - e enxergava as conseqüências dessa simples brincadeira através do número de atropelamentos - junto com Agrinaldo de Santana teve a idéia de que fizessem dentro da quadra um espaço para que as crianças pudessem brincar com segurança e, a partir dai, com a existência de um sistema próprio de alfabetização que a mesma havia implantado junto a comunidade, viu seu sonho crescer quando a idéia por ela concebida ganhou forma com a inauguração do CAMP MANGUEIRA. Assim como Tia Ciata, que tem seu nome em uma Escola Municipal na Avenida Presidente Vargas, em abril de 2008, o Estado inaugurou em memória e reconhecimento o Anexo I da Escola de Ensino Fundamental Tia Neuma, na Vila Olímpica da Escola.

Tia Doca - tradição do "pagode" renovada.


Ainda nesse universo de ativa participação na luta e na conquista da preservação da memória e do reconhecimento das classes minoritárias Tia Doca, Pastora da Azul e Branca de Madureira tornou-se uma guerrilheira em prol da tradição do pagode ( entendendo-se pagode como um encontro de sambistas para a prática musical ). Antes de ingressar na Portela, Doca tomou as primeiras lições de samba no Prazer da Serrinha. Aos 14 anos assumiu o posto de porta- bandeira da Escola Unidos do Congonha. Sua estréia pela escola na qual se tornaria mais tarde um de seus ícones, foi em 1953 através de seu marido Altair, filho de Alvarenga, grande compositor portelense. Tia Doca intituláva-se defensora do samba de raiz e em virtude disso seu quintal molhado para não levantar poeira, reunia sambistas consagrados e “curiosos” que mais tarde conheceriam estrelato como Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz. Quando casada, o quintal de sua casa servia de palco para os ensaios da Velha Guarda Show da Portela, com a separação, o que antes era feito para reunir amigos, passou a ser a fonte de renda de Doca no sustento de seus filhos e daí deu-se início a uma das mais tradicionais rodas de samba da Cidade, o Pagode da Tia Doca, que tornou-se uma das mais belas páginas da história do samba na cidade do Rio de Janeiro. Nesse território livre para criação e descobertas, mantido por seus filhos mesmo após o falecimento da pastora, destacava-se outra extraordinária habilidade que reforçava sua tradição ancestral: Excelente cozinheira, em suas rodas de samba Doca demonstrava sua habilidade nos quitutes sendo a sopa de ervilha apontada por Zeca Pagodinho como uma de suas comidas preferidas preparadas pela pastora portelense.


De frente na roda que leva seu nome.


Não há quem possa entender a história das escolas de samba sem passar por um nome de mulher. Muitas transformaram suas histórias particulares na história do próprio samba. São baianas, como foi Tia Vicentina na Portela - que a pedido de seu irmão Natal assumiu o comando da cozinha do Portelão ganhando uma homenagem do compositor Paulinho da Viola que imortalizou "o famoso feijão da Vicentina" ao acrescentar-lhe o titulo de “coisa divina” - ou D. Ivone Lara – a grande dama do samba que entrou para a história como compositora renomada da MPB e primeira mulher a ingressar na Ala de Compositores de uma escola de samba.


D. Ivone Lara - a grande dama do samba.


São Porta-bandeiras como foi Tia Dodô - que aos 15 anos recebeu das mãos de Paulo da Portela o pavilhão da escola e dentro de sua história singular no mundo do samba chegou ao inusitado cargo de madrinha da bateria mesmo quando já passava dos 80 anos – ou Maria Helena; - a grande-porta bandeira da Imperatriz Leopoldinense que com sua garra, determinação e seu jeito “forte” de dançar defendeu as cores de seu pavilhão até o carnaval de 2006 – chegando ao nome de Selminha Sorriso - ícone da escola de Nilópolis, soberana no ofício que exerce, e referência para todas as Portas-bandeiras.


Selminha Sorriso - Talento e graça.


Além do que já disse, as mulheres realizaram uma escalada ascendente na ocupação de setores até então predominantemente masculinos. Hoje, encontram-se presentes em todas as baterias de Rio de Janeiro. Em algumas escolas são diretoras de naipes como tamborim e chocalho, mostrando que não há barreira nem limitação para sua área de atuação. Até a Estação Primeira de Mangueira – que mantinha a proibição por estatuto - inseriu mulheres entre os seus ritmistas quebrando um tabu mitológico em tono da questão da presença feminina em sua bateria. Como pioneira nessa empreitada, Dagmar - esposa de Nozinho, irmão de Natal - a primeira mulher à tocar surdo numa escola de samba.

Ainda faltam alguns setores à serem ocupados por nós mulheres. Ainda não conseguimos com que uma mulher esteja à frente de uma bateria não pela beleza, mas no posto de Mestre de Bateria. Ainda falta uma Diretora de Carnaval, ou, uma Diretora de Harmonia que tenha o mesmo reconhecimento dos homens que exercem estas funções. Hoje, mesmo que tenhamos importância reconhecida e algumas já tenham deixado a marca feminina na direção de agremiações como Dona Neide - que foi Presidente do Império Serrano - Chininha - filha mais velha de D. Neuma - que até o carnaval de 2009 foi Presidente da Mangueira e Regina Duran - atual Presidente do Salgueiro – o papel da mulher para o samba, sua contribuição e presença, ainda terá de ser estudado e revista para que seus nomes não caiam no esquecimento!

Abaixo, algumas das muitas que emprestaram ou emprestam sua graça, força e beleza ao samba! De todas as idades, cores e nomes. De tempos distintos. Próximas ou distantes! Salve sua beleza! Salve seus nomes!




Carmem Miranda



Tia Surica


Beth Carvalho


Tia Dôdô


Clara Nunes

Maria Helena



Bibliografia: Site academia do samba; site wikipédia, Acervo CAMP da Mangueira, jornal extra on line; livro batuque na cozinha de Alexandre Medeiros, site gres portela, site da liesa

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Na mão do sambista!

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Foi com muita alegria que recebi a notícia de que o CD com os sambas-enredos para o carnaval de 2010 seria gravado ao vivo, executado com a bateria de suas respectivas agremiações no palco da cidade do samba. Isto representa um grande avanço para que o público volte a reconhecer em disco as distinções musicais que cada bateria apresenta.
Embora os discos anteriores apresentem gravações de boa qualidade técnica – basta acompanhar a ficha para se certificar da qualidade da produção e dos profissionais envolvidos – a execução musical aproximava muito uma escola da outra e eliminava a possibilidade das baterias demonstrarem sua criatividade musical e suas características rítmicas mais marcantes junto a letra e a melodia escolhida nas finais de samba, chegando ao disco como o retrato fiel de uma comunidade.
Segundo contam, cada escola terá a possibilidade de levar até quarenta ritmistas para a gravação dos sambas que serão levados para a Avenida em 2010 gerando uma grata oportunidade que possibilitará ao ouvinte o samba “in natura” com a performance energizada das pessoas que compõe seu quadro de ritmistas.
Não acredito que o samba enredo volte a despertar o interesse que um dia despertou no mercado fonográfico e a venda de seus discos volte a atingir as marcas registradas nos anos 70, 80, ou até mesmo 90, quando muitos, pela qualidade musical, ultrapassaram as fronteiras carnavalescas e ganharam gravações antológicas nas vozes de astros da MPB. Hoje, com raras exceções, essa qualidade musical dominada com maestria por bambas como Aluízio Machado, Sillas de Oliveira, Noca da Portela, Helio Turco e Jurandir, transformou-se num jingle de vida efêmera que se apaga junto com as cinzas da quarta-feira.

O LP de Martinho da Vila onde o sambista dedicou reportório a sambas antológicos

Porém, é preciso saudar essa iniciativa que a meu ver demonstra uma alternativa muito positiva para reaquecer o interesse pelo samba feito para desfile. Devolver ao sambista a possibilidade de executar “seu samba” tal como ele é, é um grande passo para o reconhecimento da dedicação com o qual homens e mulheres se entregam a uma causa que não lhes rende retorno financeiro algum.
Nos anos 90, algumas gravações foram feitas ao vivo, sob a lona do Circo Voador. Além do que já fiz correr, gostaria de acrescentar um fato muito curioso e pertinente no universo dos discos de samba-enredo: Quarenta e dois anos estão entre a folia de 1968 e o de 2010, mas o fato de seus carnavais apresentarem discos gravados ao vivo os deixa muito próximos.


A capa do primeiro disco lançado em 1968.

Em 1967, pela primeira vez, foi lançado um disco com os sambas que as Escolas apresentariam no carnaval que se aproximava. Intitulado de “Festival do Samba – Gravado ao vivo”, o “bolachão” trazia as baterias das mais tradicionais agremiações cariocas executando entre cuícas, pastoras, surdos dolentes e tamborins vagarosos, os sambas-enredos do Salgueiro, Mocidade Independente,Império Serrano,Portela, Mangueira, Unidos de Vila Isabel e Unidos de Lucas.
Pela primeira vez, o publico passou a conhecer os sambas que seriam executados no carnaval com antecedência, proporcionando um “boom” comercial que gerou finanças grandiosas de forma que desde então, não há carnaval desacompanhado de disco.
É certo, como já citei, que o interesse pelo “disco dos sambas enredos” muito se perdeu. A vendagem não chega perto do tempo em que o LP era esperado para rodar nas vitrolas que animavam as festas familiares e o fim de cada ano. Muita coisa ocorreu entre o carnaval de 1968 e o que esta para chegar. Entre o primeiro LP e o CD para 2010, estão muitas décadas de transformações que mudaram o carnaval e a historia do samba.
Quando o disco de 2010 estiver em nossas mãos, mas do que o registro ao vivo das baterias de nossas agremiações, estará nele, o registro das transformações do carnaval e a tentativa de que o samba-enredo volte a tocar – pela mãos dos sambistas – o coração dos foliões.



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Enredo do meu samba!

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Em 1987, aos cinco anos de idade.

Sempre gostei de carnaval e samba. Era muito pequenina e tinha de acompanhar de longe, através das histórias contadas por meu avô, minha avó, meus tios e minha mãe - que narrava suas memórias a cerca do tempo em que era obrigada à desfilar na Estação Primeira de Mangueira. Além deles, era a televisão que trazia para dentro da minha casa, a festa colorida que ocorria na passarela e fazia de mim espectadora assídua dos desfiles das escolas cariocas.
Com o tempo, uma das escolas que acompanhava pela tv, passou a fazer parte da minha vida por preocupação e saudade. Esses sentimentos surgiam na época em que o samba e o trabalho do carnaval tornavam-se ativo na vida de meu pai – nesse periodo diretor de harmonia - e fazia do nome “Acadêmicos do Grande Rio” um conjunto de palavras constantemente repetidos nos assuntos da casa. Foi no seio familiar que descobri, ou melhor, ouvi falar, da escola do qual anos mais tarde feito brincadeira de criança, eu seria integrante.
Para o carnaval de 1993, algumas crianças da minha rua inscreveram-se em alas infantis da agremiação de Caxias. Umas foram deslocadas para a ala das crianças, outras, passista mirins, e eu, baianinha. Nesse carnaval realizei meu primeiro desfile aos 10 anos de idade inaugurando uma nova fase em minha vida. Era naquele universo, na correria das crianças pela quadra, que descobriria uma “infância” que hoje recordo com saudade!

Meu desfile de estréia: No mundo da lua em 1993.

Chegado o carnaval seguinte, a escola não apresentou alas destinadas à crianças, e minha única opção era desfilar como passista mirim. Mesmo envergonhada, em 1994 - no embalo das amigas - cruzei a avenida de passista! No carnaval de 1995 não houve segmento infantil - só o quadro de mestre-sala e porta-bandeira mirins permaneceu como opção. Nesse ano, não desfilei. Lembro-me que a Grande Rio apresentou-se no domingo, e ao lado de uma amiga - a Michele - assisti ao desfile da escola aos prantos pela TV, que àquela altura, não mais transmitia a alegria que eu sabia existir lá. Para amenizar nossa tristeza, meu tio Jorge - que desfilava na Comissão de Frente da escola - nos levou para assistirmos aos desfiles de segunda-feira na Marquês onde a Imperatriz Leopoldinense sagrou-se campeã do carnaval.
No ano seguinte, a escola permaneceu sem a ala de crianças e baianinhas. As opções eram a ala de passistas mirins, ou, conseguir uma vaga no seleto quadro de mestre-sala e porta- bandeira mirim. Como não mais queria ficar de fora, e a vergonha me impedia de repetir a experiência de ser passista, a possibilidade de desfilar carregando uma bandeira passou a povoar minha mente.


Ao lado do meu avô Xango da Magueira.

Para minha sorte, as vagas estavam abertas e o Diretor de Harmonia Candimba - que sabia que eu dançava - comentou com meu pai sobre as vagas disponíveis solicitando que eu fosse à um ensaio.
Nossa! (rs) foi muito engraçado tornar-se uma porta-bandeira. Como não tinha noção de como eram os procedimentos em relação à dança, apareci no ensaio de tênis e bermuda (rs). Não sabia o mínimo e desconhecia que tinha de levar saia e sapato próprio para a dança. Na hora, deram um jeito e algumas meninas antigas da ala me emprestaram o que tinham.Tive dificuldades, ficava tonta, mas com a paciência e o auxilio de pessoas como Jaqueline e Bruna – a segunda, era a 3ª porta- bandeira na época - aprendi muita coisa.
Então, tornei-me porta-bandeira aos 12 anos para em 1996 começar minha trajetória como condutora do pavilhão da escola onde aprendi meu oficio. Este foi o único ano em que o quadro desfilou com 6 casais, meu mestre-sala foi o Eduardo - que me ajudou a ter noção da dança de casal e me incentivou – com quem dancei por 2 anos (1996-1997) para em meu último ano na ala aprediz (1998) fazer par com o Peixinho.


O ultimo ano no quadro mirim.

Nesses três anos de quadro sempre tive o apoio do Sr. Marcos, do Edson e da D.Gina que algumas vezes me indicavam para o Diretor de Carnaval e Vice- Presidente da escola Milton Perácio ( o Pepê para mim ) para substituir a 2ª ou a 3ª porta- bandeira quando elas não podiam estar presentes.
Assim, fui indicada ao lado da Renata – atual segunda porta bandeira da agremiação caxiense - para participar de um concurso fechado para a escolha da 2ª e 3ª porta- bandeira da escola. Só indicação já foi motivo de alegria para mim! O concurso durou 2 meses e no dia 05 de dezembro de 1998 fui escolhida para formar ao lado do Márcio, o 2º casal da escola durante os anos de 1999, 2000 e 2001.
Em maio de 2001 a escola realizou a festa “Os Melhores da Grande Rio” e no final do encontro, para minha surpresa, o Pepê chamou à mim e ao meu pai, para conversar e explicar que eu teria de fazer uma apresentação ao lado do Sidclei – primeiro mestre sala da escola - e que seria nessa apresentação, que o Presidente de honra Jayder Soares e o Presidente Administrativo Helinho de Oliveira iriam decidir se eu poderia me tornar a primeira porta bandeira da escola e atravessar a avenida sendo avaliada pelo júri do carnaval.
A apresentação se deu na festa do sorteio da ordem dos desfiles realizada na quadra da Imperatriz Leopoldinense. Para minha surpresa e alegria fui escolhida, para no carnaval de 2002 fazer minha estréia, aos 19 anos, formando o 1º casal da escola com o mestre-sala Sidclei.


A estreia como primeira porta-bandeira em 2002.

Desde então venho me dedicando à escola e à dança, buscando sempre aprender um pouco mais, me espelhando nas grandes portas- bandeiras que passam, e nas que já passaram pela avenida que virou palco para minhas evoluções. Ali, vivi momentos de grandes alegrias com minha escola, como foi o nosso 3º lugar em 2003, - um sonho para todos os Caxienses que viram a volta da Grande Rio no desfile das campeãs pela 1ª vez – tive meu trabalho reconhecido ao receber premiações - em 2006 e 2009 fui agraciada com o prêmio Tamborim de Ouro do jornal O Dia de melhor casal de mestre- sala e porta- bandeira – e onde, em 2010 me preparo para completar nove anos como guardiã do pavilhão, dedicando-me ao sonho que venho buscando há algum tempo, que é garantir pontuação máxima e soltar o grito de campeã preso na garganta da minha comunidade.

Momentos de concentração para o desfile de 2009.