Embora os discos anteriores apresentem gravações de boa qualidade técnica – basta acompanhar a ficha para se certificar da qualidade da produção e dos profissionais envolvidos – a execução musical aproximava muito uma escola da outra e eliminava a possibilidade das baterias demonstrarem sua criatividade musical e suas características rítmicas mais marcantes junto a letra e a melodia escolhida nas finais de samba, chegando ao disco como o retrato fiel de uma comunidade.
Segundo contam, cada escola terá a possibilidade de levar até quarenta ritmistas para a gravação dos sambas que serão levados para a Avenida em 2010 gerando uma grata oportunidade que possibilitará ao ouvinte o samba “in natura” com a performance energizada das pessoas que compõe seu quadro de ritmistas.
Não acredito que o samba enredo volte a despertar o interesse que um dia despertou no mercado fonográfico e a venda de seus discos volte a atingir as marcas registradas nos anos 70, 80, ou até mesmo 90, quando muitos, pela qualidade musical, ultrapassaram as fronteiras carnavalescas e ganharam gravações antológicas nas vozes de astros da MPB. Hoje, com raras exceções, essa qualidade musical dominada com maestria por bambas como Aluízio Machado, Sillas de Oliveira, Noca da Portela, Helio Turco e Jurandir, transformou-se num jingle de vida efêmera que se apaga junto com as cinzas da quarta-feira.
O LP de Martinho da Vila onde o sambista dedicou reportório a sambas antológicos
Porém, é preciso saudar essa iniciativa que a meu ver demonstra uma alternativa muito positiva para reaquecer o interesse pelo samba feito para desfile. Devolver ao sambista a possibilidade de executar “seu samba” tal como ele é, é um grande passo para o reconhecimento da dedicação com o qual homens e mulheres se entregam a uma causa que não lhes rende retorno financeiro algum.
Nos anos 90, algumas gravações foram feitas ao vivo, sob a lona do Circo Voador. Além do que já fiz correr, gostaria de acrescentar um fato muito curioso e pertinente no universo dos discos de samba-enredo: Quarenta e dois anos estão entre a folia de 1968 e o de 2010, mas o fato de seus carnavais apresentarem discos gravados ao vivo os deixa muito próximos.
A capa do primeiro disco lançado em 1968.
Em 1967, pela primeira vez, foi lançado um disco com os sambas que as Escolas apresentariam no carnaval que se aproximava. Intitulado de “Festival do Samba – Gravado ao vivo”, o “bolachão” trazia as baterias das mais tradicionais agremiações cariocas executando entre cuícas, pastoras, surdos dolentes e tamborins vagarosos, os sambas-enredos do Salgueiro, Mocidade Independente,Império Serrano,Portela, Mangueira, Unidos de Vila Isabel e Unidos de Lucas.
Pela primeira vez, o publico passou a conhecer os sambas que seriam executados no carnaval com antecedência, proporcionando um “boom” comercial que gerou finanças grandiosas de forma que desde então, não há carnaval desacompanhado de disco.
É certo, como já citei, que o interesse pelo “disco dos sambas enredos” muito se perdeu. A vendagem não chega perto do tempo em que o LP era esperado para rodar nas vitrolas que animavam as festas familiares e o fim de cada ano. Muita coisa ocorreu entre o carnaval de 1968 e o que esta para chegar. Entre o primeiro LP e o CD para 2010, estão muitas décadas de transformações que mudaram o carnaval e a historia do samba.
Quando o disco de 2010 estiver em nossas mãos, mas do que o registro ao vivo das baterias de nossas agremiações, estará nele, o registro das transformações do carnaval e a tentativa de que o samba-enredo volte a tocar – pela mãos dos sambistas – o coração dos foliões.