Logo depois o samba Amor de malandro era lançado nas mesmas condições, e o êxito alcançado pelos dois discos levou o intérprete a propor-lhe exclusividade na gravação de toda a produção do sambista. Este aceitou o arranjo (mais tarde desfeito) com a condição de que fosse também incluído seu parceiro Nilton Bastos. Assim, vários sambas como Não há, Nem é bom falar e o grande êxito Se você jurar, lançado em 1931 pela dupla Francisco Alves - Mário Reis, tornaram-se conhecidos pelo publico dos discos e do Rádio, tendo participado do coro na maioria dessas gravações. Em 1928, com os principais sambistas do Estácio, reuniu integrantes dos blocos de sujos existentes no bairro, e fundou a Deixa Falar, a primeira escola de samba do Rio de Janeiro.
Em fins de 1931, Nilton Bastos morreu de tuberculose e Mano Edgar foi assassinado numa briga de roda de jogo. Deixou então o Estácio e foi morar na cidade, datando desse ano suas primeiras composições com Noel Rosa, novo parceiro que conheceu através de Francisco Alves. O primeiro samba da dupla, Para me livrar do mal, foi feito ainda em 1931 e gravado no ano seguinte por Francisco Alves. Comporiam juntos diversos sucessos, entre os quais Adeus (com Francisco Alves como co-autor), dedicado a Nilton Bastos e lançado em 1932 pela dupla Jonjoca-Castro Barbosa; Uma jura que eu fiz (também com Francisco Alves), por Mário Reis em 1932; Ando cismado, por Francisco Alves em 1933; e A razão dá-se a quem tem (com Francisco Alves), grande êxito de Francisco Alves e Mário Reis em 1933. Em dupla com Noel Rosa o sambista estreou como intérprete em 1932, gravando na Odeon o samba Escola de malandro (Orlando Luís Machado). No ano seguinte lançaram, no mesmo disco, os sambas Quem não dança e Seu Jacinto (ambos de Noel Rosa). Suas composições começaram a ser gravadas por vários interpretes, entre os quais João Petra de Barros, Silvio Caldas e Carmen Miranda. Em 1937, morreu seu parceiro Noel Rosa. Esquecido durante a década de 1940, reapareceu em 1950, quando Alcides Gerardi lançou Antonico, samba de versos tristes e andamento lento, um dos mais belos de sua obra.
O ano de 1954 marca um período de revalorização de antigos nomes da música popular: por promoção do cantor e radialista Almirante, realizou- se em São Paulo o Primeiro Festival da Velha Guarda, reunindo grandes nomes da música popular, entre eles o seu; na boate Casablanca, no Rio de Janeiro, estreia em 1955 o show O samba nasce no coração, onde atuou ao lado de artistas de grande popularidade nas décadas anteriores. Logo depois gravou os dois primeiros LPs como interprete de suas músicas: O samba na voz do sambista, lançado pela Sinter, e Ismael canta Ismael, pela Mocambo, ambos em 1956. Em 1964, depois de outro período de esquecimento, reaparece no Restaurante Zicartola, na Rua da Carioca, com grande sucesso. No ano seguinte atuou no Teatro Opinião, com Araci de Almeida, no musical O samba pede passagem, do qual foi feito um LP lançado pela Philips. Homenageado na Bienal do Samba, em São Paulo SP, e em programas de televisão e Rádio, voltou ao palco em 1973 no espetáculo Se você jurar, escrito por Ricardo Cravo Albin e estreado no Teatro Paiol, a convite da prefeitura de Curitiba PR. Em junho do mesmo ano gravou na RCA o LP Se você jurar, com grandes sucessos do passado e seis sambas inéditos: Contrastes, Alegria, Alias, Receio, Entrada franca e Afina a viola. Morreu no Rio de Janeiro RJ em 14 de Março de 1978 deixando um legado para a história do samba que foi revisto pelo próprio em um de seus ultimos depoimentos. Abaixo, reproduzo trechos das memórias de Ismael acerca de acontecimentos pertinentes a história do samba e de sua vida particular que nos ajuda a trazer até os dias atuais um pouco desse universo particular que ilustra de maneira sublime a criação das Escolas de samba, a malandragem do Rio de Janeiro nos anos trinta, o cenário da Música popular brasileira em fase pioneira e as questões da conciência negra. Boa leitura!
Ismael por Ismael:"...Eu nasci em 1905, em Jurujuba, Niterói. Aos três anos vim para o Estácio, com minha mãe. O Estácio fazia parte da Pequena África Carioca, que se estendia da Saúde, Gamboa à Praça Onze, da Praça Onze ao Estácio, Catumbi. Era um reduto de costumes africanos trazidos da Bahia, quando nós imigramos para cá. Convivi com essa cultura. Cultivei e fui cultivado por ela. Sou sambista. Um dos bambas do Estácio..."
Negritude:"...Sou negro e como negro devo achar meu caminho na vida. A libertação muito recente não modificou em nada nossa situação. Somos postos de lado nas escolas, nos serviços. A identidade que nos envolve é penosa e devemos lutar para preservá-la...Então, os negros se empregavam no cais do porto. Toda aquela zona era o nosso domínio. Não, o trabalho não nos integrou à sociedade, não. O contato acabou por se fazer naturalmente; embora marginalizados, participávamos da vida social – minha mãe mesmo lavava roupa para o Flamengo, as Laranjeiras e acho que São Cristóvão. Estávamos nas ruas, não é? O trabalho não nos dá nada, nem dinheiro, nem reconhecimento social. Havia era a precisão de ganhar a vida, o sustento, e isso fez com que buscássemos alternativas. O cais dava emprego, mas não para todos. A música poderia ser uma saída. Nós fazíamos música e havia o mercado fonográfico... os discos... e uma necessidade de furar o bloqueio social. O negro é muito mal visto. Branco é quem compra disco..."

Uma das mudanças que aconteceu ao longo dos anos, que faz parte mesmo das mudanças sociais do país, foi a maior participação popular. Isso pode ilustrar a importância do que fizemos, eu, Edgarzinho, Nilton Bastos, Bide e Marçal. Foi através das escolas de samba que a preocupação política se estendeu a uma faixa maior de cidadãos, que nós pudemos soltar a nossa voz e criar algum respeito..."
"...A escola de samba foi um ato programático que serviria de impulso social à integração negra. A partir da fundação da Deixa Falar, o malandro pôde brincar seu carnaval, sem ser incomodado, como os brancos, entende?..."
Todo carnaval vocês me entrevistam, falam comigo. Criticam as autoridades por não me darem um lugar de honra para ver o desfile. Acho justo, claro. Sugere daqui, insiste dali, um prefeito desses de vocês resolveu criar uma lei dando direito a duas cadeiras cativas para eu assistir o desfile. Precisava disso? Eu? Eu não pedi nada. No mesmo ano, em 1976, vieram buscar-me com o carro da Assembléia. Cheguei à avenida. Quando procurei o lugar, as minhas entradas eram para as arquibancadas.
Eu acho que tem que ser cumprida a lei. O que me deixa triste é as pessoas ainda pensarem que você é bobo. Só elas são inteligentes. Protesto, sim. Lugar nobre é nas cadeiras cativas. E no samba quem é mais nobre do que eu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário