terça-feira, 17 de abril de 2012

De casa nova!



Há meses a frase “temos de nos tornar a mudança que queremos viver” não sai de minha cabeça. Não sei quem é o autor, não sei se a li em algum lugar, não sei se ouvi de alguém. De certo, sei que a ordenação proposta por essas palavras tem embasado as últimas decisões que direcionam meu ofício.

Mudar, invariavelmente ocasiona desconforto. Lançar-se ao novo e desprender-se daquilo que é confortável, não é apenas uma questão de vontade. É uma questão coragem! Coragem para estar à mercê do desconhecido.

Entre a despedida da Grande Rio e a chegada a uma nova escola passaram-se 48 dias. Dias de propostas e promessas. Dias de cores de bandeiras distintas. Dias que foram afastando o desconforto inicial de uma mudança, e abriram as portas para a entrada de esperanças planejadas. 

A mudança que eu quis promover me traz um novo mestre-sala. A mudança que eu quis viver me leva a uma nova Escola. Enfim, posso responder a uma das perguntas que mais me fizeram: para qual Escola você vai?

Eu vou para a Mocidade Independente de Padre Miguel! Eu vou ser a porta-bandeira do Feliciano. Um jovem mestre-sala de talento e futuro. Vou dividir com ele minha alegria de estar em casa nova. Vou banhar-me em águas de “verde e branco.” Renovar-me em suas tradições. Beber água de uma nascente viva de puro samba!

Ao Presidente Paulo Viana e aos dirigentes da Mocidade, o meu sincero agradecimento pelo convite. Ao Bonifácio, o obrigado pela aceitação do desafio. Ao Feliciano, o meu desejo de felicidades e a vontade de que eu seja para você, aquilo que eu quero que você seja para mim!

À comunidade, minha dedicação para proporcionar alegrias a cada um de vocês será intensa! Estou ansiosa para pisar no mesmo chão de vocês! Olhar no olho da baiana, abraçar o integrante da velha-guarda, bailar ao som da habilidade de seus ritmistas, ouvir o apito de seus diretores, ser da mesma família, e poder ser mais um motivo, para o sorriso de seus torcedores! 

Sinto-me privilegiada e extremamente honrada em assumir a responsabilidade de ser a guardiã desse pavilhão. Um pavilhão que escreve de verde e branco, uma das mais belas páginas da história do carnaval e do samba carioca!

À minha família e amigos, obrigada pelo carinho e atenção. À Deus, obrigada por tudo. Sem o senhor nada seria possível.

É isso! Estou em casa nova. E se alguém não acreditar, provo ser verdade. Assim como tantos, trago na identidade: “sou da Mocidade Independente!”

sexta-feira, 2 de março de 2012

A volta do velho batuqueiro!


Botando em dia as linhas desse blog, volto para falar da reedição em CD dos primeiros discos do meu avô lançados originalmente nos anos setenta. Para mim, ouvir suas gravações tem sabor especial: traz as festas em família animadas ao som de sua voz “rascante” e suas visitas sem aviso prévio depois de períodos de ausência.
Os discos lançados trazem a lembrança das antigas “bolachas de vinil” que ficavam na estante da sala; o jeito de “dizer no pé” – como o velho se referia à arte de sambar, - e a voz grave e potente que atravessava o portão anunciando sua festejada chegada.
Mas do que instigar a lembrança familiar, esse lançamento lança luz sob um dos nomes mais associados à arte popular do gênero do partido alto, tira a poeira que cobre a história de um sambista versátil – que além de diretor de Harmonia da Mangueira, cantou jongo, samba de roda e samba de breque – e traz de volta a voz que trazia como marca principal, as tradições dos ritmos afros brasileiros.
Voltam à cena musical, com capa e contracapa original, os discos O Rei do partido alto, Velho Batuqueiro, Chão da Mangueira, e Xangô da Mangueira Volume 3. Quatro discos que não podem deixar de constar em qualquer coleção de sambista de verdade.
Fica a dica, com um toque de predileção pessoal, para a audição do disco lançado pela gravadora Copacabana em 1972, O Rei do Partido Alto. Um super repertório do melhor do partido e que traz o registro original do clássico Quando Vim de Minas, antes da composição tornar-se um hit popular e estourar no ano seguinte na brilhante voz da mineira Clara Nunes!
Fica a dica!

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Obrigado Caxias!



A apresentação da Acadêmicos do Grande Rio no desfile das campeãs do carnaval de 2012 marcou minha despedida da Escola. Após 11 anos defendendo o pavilhão da agremiação como primeira porta-bandeira, decidi desligar-me da equipe que compõe seu quadro profissional.

Dois dias após o desfile oficial, tendo cumprido todas as minhas obrigações, fui ao encontro dos dirigentes a fim de agradecer a oportunidade e a confiança depositada em mim, e para a surpresa da maioria, informá-los de minha vontade.

Sinto-me extremamente honrada pela valorização profissional e pelas palavras de carinho que ouvi dos dirigentes da Escola nos quatro encontros que tive até que meu desejo de afastamento fosse aceito.

Anuncio aqui, e divido com os que acompanham minha carreira, este importante momento de minha vida profissional. As linhas que seguem - como não podia deixar de ser - são linhas de agradecimento. Agradecimento ao carinho dos amigos que fiz não apenas nos 11 anos consecutivos como primeira porta-bandeira, mas sobretudo, ao longo dos 19 anos de Escola que marcam e direcionam o que sou agora.

Agradecimento aos admiradores que pouco a pouco foram se auto intitulando fãs de um trabalho marcado pela dedicação. Obrigada a minha família pela força e pelo companheirismo diário. Obrigada ao meu querido presidente Jayder Soares, a quem tenho profundo carinho e respeito. Obrigada ao patrono Leandrinho pelo apoio. Ao presidente Helinho, por acreditar e investir na prata da casa. Ao vice-presidente Milton Perácio, pela parceria de trabalho de mais de uma década.

Um agradecimento especial à comunidade da qual faço parte. Foram vocês os responsáveis por injetar alegria à minha dança. A “força” de vocês me trouxe até aqui! Foi o carinho de uma comunidade inteira que incentivou uma criança que era “baianinha” entrar no quadro mirim. O aplauso dessa mesma comunidade fez uma menina envergonhada tornar-se a segunda porta-bandeira. Os olhos de vocês viram a criança tornar-se adulta, e a adulta tornar-se a primeira porta-bandeira da Escola de Caxias!

Vocês registram uma história. Juntos, construímos a história da Grande Rio! Uma história de erros e acertos. Uma história onde estou incluída, errando e acertando, como todos que dela tomam parte.

A respeito de minha decisão, ela é fruto de uma insatisfação pessoal que me impossibilita dar continuidade ao trabalho. Deixo o posto com a certeza de uma carreira bem desenvolvida e com a satisfação pessoal de saber que minha passagem pela Avenida é uma marca que traduz uma das poucas histórias de intensa ligação entre uma porta bandeira e as raízes de sua comunidade. Nesse momento de despedida, sinto-me como uma jovem que deixa a casa dos pais em busca de realizações. Levo na bagagem o peso da saudade e a leveza de quem crê no progresso!

Continuo na torcida!

Obrigada Caxias! Obrigado por ter me permitido chegar onde cheguei.

Ofereço a bandeira que sempre esteve em minhas mãos, para o beijo de vocês!


terça-feira, 12 de abril de 2011

Um carnaval que passou!


Falar do incêndio seria triste. Preferi falar da construção de um carnaval posterior ao incidente. Falar da prova maior da paixão e da seriedade de nosso trabalho: a construção do carnaval que foi destruído. Todos sabem que nosso Barracão foi totalmente consumido pelas chamas que no dia 07 de Fevereiro acordaram o mundo do Samba. Portela, União da Ilha e Grande Rio, amanheceram sobre o impacto da notícia sobre a destruição do que estavam construindo para apresentarem dalí a exatos trinta dias. A Grande Rio perdeu tudo! Pra quem duvidar, esta lá os destroços do nosso Barracão. Triste falar de um incêndio que mais do que nos levar toda uma estrutura montada ao longo de décadas de trabalho, nos levou também o sonho do campeonato. Um campeonato possível, vide os comentários a cerca do resultado final da apuração.

Bom, após o incêndio a tristeza para nós não durou muito. Ela deu lugar ao trabalho, e o trabalho precisava começar. Tínhamos menos do que trinta dias para refazermos tudo! Nós queríamos tudo de novo. Qualquer Escola desistiria. Foi decidido que não seriamos julgados, que não haveria rebaixamento...mas, contudo, a Grande Rio queria ser a “Grande Rio.” E a Grande Rio de 2011 foi a Grande Rio de sempre. Não a luxuosa, mas a Grande Rio orgulhosa de si! A promessa do presidente havia se cumprido: toda a comunidade estava fantasiada! Ninguém ficou de fora da festa da raça.

Nove alegorias foram construídas em vinte e seis dias. Carros iluminados e bem acabados. Três mil fantasias entregues a comunidade. Um carnaval de superação. Superação em tudo! Y-Jurere Mirim, A Encantadora Ilha das Bruxas foi levado para a Avenida. Na hora de entrarmos na pista, uma chuva caiu sobre a Escola. Quando os portões se abriram e a bateria do mestre Cica fez ecoar o som dos instrumentos, a chuva fina deu lugar a uma grossa chuva que nos acompanhou durante toda a apresentação.


Após ao fogo, era preciso vencer a chuva. Mas a chuva veio para nos alegrar. A água veio lavar a angustia que o fogo deixou. A comunidade cantou alto! O samba do ano cumpriu bem o seu papel: Era preciso rezar forte naquele chão e mandar para bem longe, toda sorte de assombração! No abre-alas, a bruxa e seu caldeirão de fogo. A comissão de frente empolgou com a transformação do menino em lobo. Na bateria, trezentos lobisomens no comando de caixas, repiques, surdos, chocalhos e tamborins. Os funcionários do Barracão eram as estrelas da alegoria que encerrava o desfile junto a Fenix que abraçava o símbolo da Escola. Nas camisas lia-se: o sonho não acabou!


E Não acabou mesmo!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Um tempo de Gentileza!





Dando continuidade à série de apresentações e esclarecimentos acerca dos carnavais que a Grande Rio apresentou, e, com o intuito de valorizar o papel artístico e cultural que a agremiação exerce – papel este nem sempre divulgado ou valorizado pela própria - debruço-me a recontar um interessantíssimo enredo construído a partir de um rico “material humano.” Na verdade, um enredo por trás de um enredo.

Corria o ano 2000, e o enredo que a Escola trabalhava para apresentar em 2001 chamava-se Gentileza X, o Profeta do Fogo, onde contávamos a história do empresário José Datrino, homem que a partir de um choque emocional motivado por um incêndio, passou a percorrer o mundo pregando mensagens de amor e paz, tornando-se popular junto ao titulo de Profeta Gentileza.
Para entender o universo poético de construção desse carnaval, primeiramente devemos entender o universo do personagem que norteia essa viagem. José Datrino era um empresário, dono de uma transportadora de cargas no Rio de Janeiro, que se viu sacudido por um acontecimento de grande forca trágica: A queima de um grande circo em Niterói e que ocasionará a morte de 500 pessoas. Após seis dias, ele recebe um chamado "divino" para que deixe tudo que possui e venha viver uma missão na Terra. A partir de sua “revelação” o profeta deixa tudo para sua família e ganha uma nova identidade: GENTILEZA. Sua atribuição: “vir como São José, representar Jesus de Nazaré na Terra.”
Para olhos comuns, um louco. Foi internado três vezes antes de ganhar totalmente as ruas. Com a palavra na boca e seu estandarte em punho, passa a se apresentar na paisagem urbana do Rio de Janeiro como um representante de Deus e anunciador de um novo tempo. Aos poucos torna-se personagem popular. Cria provérbios para alcançar as pessoas e ensinar a gentileza. Ganha as manchetes de alguns jornais que o chamam de “profeta tropicalista” e “chacrinha das calçadas” pela indumentária que adota. Leva sua mensagem de amor e paz por todo o Brasil, mas é no Rio de Janeiro que sua figura torna-se extremamente popular.

O profeta era visto nas proximidades das Barcas, na Praça XV; nos engarrafamentos da Avenida Presidente Vargas, e nas imediações da rodoviária Novo Rio, onde deixa um marco de intervenção na paisagem urbana da cidade que até hoje é a marca mais viva de sua passagem pela cidade do Rio de Janeiro.
Entre a Rodoviária e o cemitério do Caju, numa extensão de 1,5 km, Gentileza realiza seus 56 escritos/murais sobre as pilastras que sustentam o viaduto do Gasômetro. Sua obra demarca um espaço e uma permanência. Ali estão escritos seus ensinamentos, sua denúncia as condições do mundo e a ameaça que incide sobre o homem. A obra é uma cartilha com os preceitos básicos de Gentileza ‘a população. Um livro urbano, onde cada pilastra é uma pagina que faz referencia a humanização da vida na cidade onde a presença da violência e das relações cada vez mais distantes da cordialidade, coloca o meio urbano como um mundo a se reconstruir.
A conclusão dos trabalhos de inscrições nas pilastras termina nos anos 90, assim como, sua saúde dá os primeiros sinais de fraqueza motivada pela vida de privações que o profeta se submeteu. Acometido por problemas circulatórios e pela dificuldade no caminhar, o profeta vem a falecer no dia 29 de maio de 1996, aos 79 anos.
Assim, mergulhando na poesia e no material místico que a idéia possibilitava, o carnavalesco Joãozinho trinta enxerga a possibilidade plástica de um enredo que inaugura sua história com a Grande Rio e apresenta aos dirigentes da Agremiação: “Houve um homem enviado ao Rio de Janeiro por Deus. Seu nome era José Datrino, chamado de Profeta Gentileza (1917-1996). Por mais de vinte anos circulou pela cidade com sua bata branca cheia de apliques e com seu estandarte, pregava nas praças e colocava-se nas barcas entre Rio e Niterói anunciando sem cansar: Gentileza gera Gentileza”.




Na verdade, um animo de devaneio artístico, de possibilidade criativa que a Escola de Caxias podia, e deveria experimentar. Um enredo de poética extravagante, que contava a história de um ex-empresário, um homem simples, que se tornou personagem popular no Rio de Janeiro a partir de 1961 ao abandonar um mundo de dinheiro, para pregar a gentileza pelas ruas do Rio.
Como todo profeta, Gentileza denuncia e anuncia. Denuncia este mundo, regido “pelo capeta capital que vende tudo e destrói tudo”. Vê no circo destruído uma metáfora do circo mundo que também será destruído. Mas anuncia a “gentileza que é o remédio para todos os males”. Deus é “Gentileza porque é Beleza, Perfeição, Bondade, Riqueza, a Natureza, nosso Pai Criador”. Um refrão sempre volta, especialmente nas 56 pilastras com inscrições na entrada da rodoviária Novo Rio no Caju: “Gentileza gera gentileza, amor”. Convida a todos a serem gentis e agradecidos. Na verdade, anuncia um antídoto à brutalidade de nosso sistema de relações.




Prato perfeito para o carnavalesco que pretendia anunciar a chegada da era de Aquárius, o alvorecer do novo milênio, e via na humanidade “sem gentileza” do milênio que findava, a “Roma pagã" que foi destruída. No enredo, Joãozinho exalta a grandeza do desprendimento do profeta vendo-o em proximidade a São Francisco colocando-o então como Irmão Sol e irmão Lua. No Carnaval que o artista cria, o circo e o fogo são símbolos da justiça e da transformação do mundo. Na poesia de João, o profeta é alguém que sofre ao ver a repetição da Idade Media ou Idade das trevas. Para João, tal como no período medieval, repetia-se no mundo contemporâneo a tristeza do passado...Estavam lançadas as bases poéticas e definitivas do nosso carnaval.

Na sinopse lia-se: “O alvorecer do III Milênio, em plena Era Espacial, é o exato momento do homem contemplar as mensagens de seres iluminados. Em Niterói, aconteceu a tragédia de um circo destruído pelo fogo. Dizem, entidades espíritas, foi o resgate de vidas passadas em Roma pagã. Abalado com esta notícia, um empresário chamado Jose Datrino ouviu vozes chamando-o para uma missão espiritual. Ele era um homem atribulado por todos os problemas atuais. Como todos nós, ele estava vivenciando a Idade Media dos nossos dias. Vendo o povo sofrendo, despojou-se de suas riquezas e começou sua peregrinação. Foi chamado de louco e poeta. Plantou flores e distribuiu vinho no local daquele sofrimento. Imortalizou nas pilastras do viaduto uma sabedoria universal. Começou sua pregação dizendo: “GENTILEZA GERA PERFEIÇÃO, BONDADE A NATUREZA. AMOR, BELEZA E RIQUEZA.” E com a vibração da Era de Aquários a Grande Rio pede a benção ao profeta Gentileza com afeto, carinho e emoção. Agradecido meu irmão. Ass: Joãosinho trinta.



Para o desfile a escola apresenta um excelente samba de autoria dos compositores Carlos Santos, Ciro, Claudio Russo e Zé Luiz, interpretado pelo cantor Quinho, que na época dava expediente na agremiação de Caxias. Os versos do meio eram valentes: “Deixa clarear...(deixa clarear!)/ Idade média nunca mais...(nunca mais!)/ Gentileza anuncia / No raiar de um novo dia / Um clamor de amor e paz.” O destino do profeta era contado: “ Pelas vozes foi guiado / O arauto iluminado / A mudar o seu destino / Renuncia a ambição / Ao seguir a intuição José Datrino”/... “Considerado louco / O poeta foi bem mais / Deixando nas pilastras / As palavras imortais / Com a sabedoria universal / Pregava contra o mundo desigual / Gentileza gera perfeição / Violência não!”
O samba emplacou na quadra, e na avenida, um coro forte foi entoado pela comunidade de Caxias. Na plástica, a estrela de João parecia estar mais estravagante. A estética era pesada, o colorido era exagerado e as ousadias se faziam presente a cada novo momento. Nosso carnaval estava mergulhado naquele universo inscrito de vermelho, branco, azul, verde e amarelo. Um carnaval vertical, tal quais as pilastras que o profeta cobriu com sua sabedoria. Um carnaval que era vermelho, tal quais os sentimentos brutos que o profeta combatia. Um carnaval que era branco, tal qual o sentimento que o profeta pretendia expandir. Da distribuição de flores como prova de gentileza, passando por alas com componentes a encenar brigas, chegando aos efeitos especiais nos carros alegóricos falando de paz e novo milênio, a escola causava forte impacto aos que assistiam o desfile que se iniciou junto a manha saudada pelos versos de “deixa clarear...deixa clarear!”
Só quem viu pode falar da magia de nossa apresentação. Só quem viu pode explicar a extravagância daquele carnaval. Extravagância em tudo. Em componentes, em tamanho, em fantasias, em cores...Extravagância de uma mente que vislumbrou um homem voando na abertura de um carnaval! O tal carnaval nas estrelas que a Mocidade sonhou em seu Ziriguidum 2001, chegará realmente em 2001, mas quem dava a partida, era a Grande Rio.



O astronauta Eric Scott abriu a apresentação da escola cruzando o céu! O desfile da Grande Rio decolou. Munido de um jato movido a peróxido de hidrogênio, ele espantou o público ao sobrevoar a Marquês de Sapucaí, abrindo a apresentação da escola: era o segredo guardado a sete chaves pela agremiação que naquele ano refletia a extravagância do carnavalesco. Um vôo histórico que incluiu a apresentação da agremiação na memória definitiva do carnaval carioca.
Um amanhecer inesquecível para os presentes! O homem voará para o publico levantando uma cortina de papel cintilante pelos ares. Uma festa colorida de prata onde o sorriso do folião e os gritos da arquibancada motivavam as lágrimas dos que daquilo tomavam parte. A escola abriu o desfile com um pede passagem que desfilou entre a comissão de frente e o carro abre-alas, que representava a era espacial e apresentava o terceiro milênio. A comissão de frente, que representava o fogo e o alvorecer do novo milênio, teve grande comunicação com o público da Sapucaí sendo saudada a cada novo setor. Depois, veio o abre-alas, todo acabado em prata e que possuía uma grua levando a Globeleza Valéria Valença até bem próximo ao público das arquibancadas.
A tragédia do circo de Niterói foi representada no carro “O Circo da Roma Pagã” tendo como estrelas a ex-jogadora Hortência, o ator André Segatti e o ator Miguel Falabella, que desfilou no chão, a frente da alegoria caracterizado como o imperador César, garantindo aplausos dos setores populares. Uma história universal de gentileza que passeava pelo histórico das cruzadas, pelo poder clerical acima do povo, e pelo poder romano que a tudo subjugava.
A escola parecia ter feito aquele carnaval para o povo! O homem voou para o delirio povo, a comissão de frente conquistou a atenção do povo, a “Globeleza” era oferecida ao povo, os artistas saudavam o povo, e foi o povo quem nos consagrou! A perda de decimos provocada por problemas tecnicos em nada ofuscou nosso carnaval e o sexto lugar nao apagou a exuberancia e magnitude daquele desfile. O esforço dos integrantes da escola em oferecer uma apresentação ao povo surtiu efeito. A pesquisa do Ibope, feita com o público da Sapucaí, deu a Grande Rio nota 9,5, a maior nota da segunda noite de desfiles e mostrava que o que a Grande Rio anunciava tornava-se pertinente.
Em 2001 a Grande Rio assumia a sabedoria universal do profeta que homenageava, fechava o primeiro carnaval do novo milênio e anunciava, no amanhecer de um Fevereiro passado, uma mensagem de amor e paz que esteve na boca do profeta Gentileza, está - ainda hoje- nas pilastras do viaduto do gasômetro, e que naquele carnaval, esteve na boca de quatro mil e quinhentos componentes vestidos de cor e exuberância, e que fizeram mais uma vez, as palavras sábias de um velho andarilho moderno, ecoarem sobre o centro urbano da cidade do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A árvore que dá bom fruto!

O desfile de 2010.
A postagem de hoje vem tentar dar alívio ao meu coração. Espero, ao correr das linhas, conseguir extravasar a tristeza de anunciar o término do quadro de mestres-sala e portas-bandeira mirins da Grande Rio. Uma das alas mais tradicionais da Escola realizou no carnaval de 2010 seu último desfile. Curiosamente, por brincadeira do acaso, no carnaval que passou eles representaram a ida da tradição e do aprendizado do samba para o futuro do que poeticamente seria o amanhã de um carnaval nas estrelas.
A tristeza desse anuncio é de fácil explicação. Ela provém do fato de que eu pertenci, e iniciei minha vida no samba ali. Para mim, fruto gerado e bem cuidado pelo mesmo, celeiro de onde sai, local onde aprendi as primeiras lições, torna-se um pouquinho mais dolorido entender o término do que sempre foi motivo de orgulho. No próximo carnaval, minhas meninas e meninos não estarão na Avenida carregando junto a mim, mais de uma dezena de pavilhões, que aos meus olhos, eram os herdeiros do que eu carregava com orgulho.
Desfilar o próximo carnaval sem ter no corpo da Escola a presença do quadro irá me fazer falta. É como se parte do que eu sou não estivesse comigo. O quadro sempre foi o passado diante de meus olhos. Uma oportunidade rara que me possibilitava enxergar o que eu fui de maneira viva. Era como se eu me olhasse!
Eu fui uma aprendiz. Uma menina que aprendeu o que sei. Não nasci sabendo... só aprendi porque houve quem me ensinasse. Quem quisesse passar adiante o ensinamento do que era ser “uma porta-bandeira.” Ensinamento este que aprendi naquele quadro onde a voz do professor e mestre-sala Edson Jorge, chamado por nós “Edson de Niterói” – me conduzia e direcionava; onde a doçura da D.Gina me incentivava e me acolhia; onda a sabedoria do Sr Marcos me fazia ir a frente sem medo.
Não considero o quadro importante apenas para mim. Ele não era importante só para mim, ou para a Renata – segunda porta-bandeira da Agremiação, ou para Jéssica – terceira porta-bandeira – todas, filhas de seus ensinamentos.
O quadro era importante para a Escola. Para quem não conhece a história da Agremiação, informo que o projeto estava presente no corpo de sua estrutura desde o principio, e que desta "árvore," plantada e cultivada com carinho por seus dirigentes, a Escola de Caxias mostrou para o mundo do samba que, com o cultivo do aprendizado de tradições legítimas, podíamos manter a capacidade de nos tornarmos exemplo e referência.
O quadro sempre foi concorrido entre os jovens não só de Caxias, mas por jovens de outros municípios. Sempre serviu como um bom incentivo para crianças e adolescentes que ali se encontravam. Ali, enxergávamos a possibilidade real em realizarmos os nossos sonhos. Víamos que a nossa escola, ao contrário da maioria, sempre recorria ao quadro para formar seus 1º, 2º e 3º casais, dando exemplo de respeito e valorização dos esforços da comunidade.
Nele, grande parte dos jovens aprendiam. Aprendiam os caminhos da arte da dança, encontravam a possibilidade de experimentarem a experiência artística, mantinham contato com uma rica tradição cultural pautada na continuidade da legitimidade de nossos antepassados. No quadro, o termo “Escola de Samba” ganhava sentido. Se “escola” é onde se ministra o saber; nos ensinamentos do quadro, a “Escola” se fazia “Escola.” A cada rodopiar, a cada passo de um pequeno mestre-sala, a cada cobrança de postura, a cada exigência de elegância, a cada chamada de atenção...as meninas e os meninos estavam dando sentido real para o termo “Escola de samba.”
Uma árvore forte, onde a colheita de frutos sempre foi fértil. Ao longo de sua existência, ele rendeu um número sem fim de jovens, hoje homens e mulheres que levam o que aprenderam para além de Caxias.
Frutos generosos, cultivados no chão da Grande Rio e que foram amadurecer em outros quintais. Frutos que hoje se encontram defendendo pavilhões de outras Escolas. Frutos como Cíntia, até pouco tempo, 1ª porta-bandeira da Porto da Pedra; frutos como Verônica, 1ª porta-bandeira da Imperatriz; como Jefferson, 2º mestre-sala da Portela; como Peixinho, 1º mestre-sala da Inocentes de Belford Roxo... e porque não, frutos como os três casais que formam a trinca que defenderam os pavilhões que a Agremiação de Caxias vai levar para a Avenida em 2011?
Frutos da Grande Rio...orgulhos da casa.
Para o próximo carnaval, antes de encerrar a colheita, a Grande Rio recorre mais uma vez à sua "árvore" para colher mais três bons frutos. Em 2011, Luis Felipe estreará junto à Douglas e Luan, respectivamente 1º, 2º e 3º mestres-salas da Escola, dando continuidade a uma história que se interrompeu em 1996.
Dos seus 22 anos de vida, a Grande Rio, em 15 anos, sempre teve como guardiões de seu pavilhão, um de seus filhos. Isso foi assim em 1995, com Rodrigo e Cíntia; em 1996, com Rodrigo e Graciléia (sendo este o último ano em que a escola teve "seus filhos criados" defendendo o seu pavilhão); em 1999 e 2000 com Verônica dançando com Ronaldinho; em 2001, com Verônica e Sidclei; e de 2002 à 2010, comigo, ao lado do Sidclei.
Após 14 anos, a escola será novamente defendida unicamente por seus filhos. Em 2011, os frutos da árvore chamada “Ala de Mestre-sala e Porta-bandeira Mirim”, estarão protegendo com amor e orgulho o pavilhão da escola que podemos chamar de casa, e com a possibilidade de provarmos ao presidente Helinho de Oliveira, que as palavras por ele pronunciadas na ocasião da posse do Luis Felipe, são um ensinamento que o quadro nos legou: “Um filho, não trai sua mãe!”
Como podemos concluir, o quadro foi generoso com a Grande Rio até seu ultimo momento. Como prova de sua nobreza, ao tombar, ele ainda oferece três frutos. Em 2011 o quadro não estará presente junto a Escola, mas seus frutos levaram o pavilhão em sua memória! Os três casais que na Avenida estarão defendendo as cores de Caxias, são os frutos que relembrarão sua memória, e adoçaram os que nos virem passar!


Espero e farei o possível para que esta árvore mágica, que fez tantas crianças sonhar, logo possa despertar e assim semear cada semente que ali se encontre disposta a aprender. Aproveito e deixo um abraço especial a D. Catarina. Ela foi a última pessoa a passar seus ensinamentos aos jovens que ali estavam.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Do Rio para Floripa.

Não sou muito de postar fotos só pelas fotos. Deixo aqui duas, só para registrar momentos do pré-carnaval do "novo casal." Ambas são de nossa última viagem até Floripa - a cidade que será o enredo da Grande Rio em 2011. Vale pela possiilidade de iniciar o registro da presenca do nosso novo mestre-sala nos eventos da Escola. Na primeira imagem, a apresentacão do casal para o público que foi assistir a divulgacão do enredo na "Ilha da mágia e esteve vinculada na revista Caras." Na segunda, entre Danilo, o respeitado primeiro destaque da Escola.


Para uma boa leitura!

É com grande satisfação que divulgo a chegada ao mercado literário de dois livros que abordam questões culturais ligadas a práticas populares na cidade do Rio de Janeiro e que lançam luz sobre aspectos fundamentais da identidade de nossa gente.
Ambos foram lançados no dia 1º de setembro, no auditório do Museu de Folclore Edison Carneiro, no Catete, Rio de Janeiro. Os livros "A Bandeira e a Máscara: a circulação de objetos rituais nas Folias de Reis", de Daniel Bitter, e "A dança nobre do Carnaval", de Renata de Sá Gonçalves, trazem ao leitor os circuitos daqueles que fazem, dançam, tocam, aprendem e realizam suas tradições artísticas como importantes agentes culturais contemporâneos. Por meio da ação dos objetos materiais como a máscara e a bandeira, manipulados por foliões de reis e devotos, ou o pavilhão das escolas de samba que dá vida ao casal de mestre-sala e porta-bandeira, os autores descortinam a cultura popular pelo viés dinâmico de suas atuações. Estes trabalhos etnográficos colocam em foco as diferentes possibilidades de inserção social dos indivíduos e a diversidade das manifestações culturais na cidade do Rio de Janeiro.
Fica aqui a dica de uma boa leitura!
O lançamento é uma realização do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular / IPHAN / Ministério da Cultura e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do IFCS / UFRJ, em parceria com a Capes e a Associação Cultural Caburé.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

As histórias de um "cisne."


Na tarde nublada do dia 25 de Setembro de 2009 tive o privilégio de conhecer um pouco mais da vida particular de um dos mitos do samba. Divido aqui meu nervosismo, e a experiência de realizar minha segunda entrevista em busca da memória do carnaval carioca, tendo como fonte, a lendária Vilma Nascimento.

Nora de Natal – o lendário Natal da Portela – Vilma começou “menina” nesse "universo", acompanhou suas mais profundas transformações, alcançou notoriedade como “a melhor porta-bandeira de todos os tempos”, ganhou o carinhoso título de "Cisne da Passarela" e seu envolvimento com a Portela – Escola onde conquistou 12 títulos – é uma das mais belas páginas do samba carioca.

Sendo uma mulher que sempre admirei por sua dança e história, a ansiedade e o nervosismo eram grandes. O nome de Vilma é conhecido por qualquer porta-bandeira e sua bagagem histórica me fazia tremer. Ir até a sua casa, e poder ouvi-la frente a frente, foi uma grata atividade. Estava eu, na rua em que ela reside - cujo nome, por curiosidade, é o de um antigo compositor Imperiano - procurando o número de sua casa. Perguntei à um vizinho onde era o número “38” daquela pacata rua de Madureira. Ele perguntou - é a casa da Vilma? - Respondi que sim, e ele, sorridente afirmou - É aqui ao lado! Mais tarde, durante a conversa com a porta-bandeira, saberia pela própria, que o vizinho que me ajudou com a informação, é imperiano doente, e que outrora, ajudará à ela e a sua família, à bordar os paêtes azuis que coloriam suas roupas de desfile.

Assim, como o vizinho que mora ao lado, muitas e muitas pessoas se referem a Vilma Nascimento com a mesma doçura e orgulho. Alias, "orgulho", talvez seja o sentimento mais expontâneo daqueles que a cercam "dia-a-dia" a rotina da porta-bandeira em sua confortável casa, localizada na mesma Madureira que ele defendeu a décadas atrás.

Quem me recebe junto ao portão é seu neto Bernard, rapaz simpático que me conduz à casa. Ao cruzar a porta, no momento em que os primeiros passos atravessavam o corredor e meus olhos avistavam a sala, vi descendo a escada, Vilma Nascimento. Não a porta-bandeira! Não a imponente figura que vi cruzar a Avenida! Não há que colecionava títulos e estandartes, a vi em outro papel. À vi em ação como a "Vovó Vilma", que descendo as escadas junto a bisneta, encheu meu peito de uma sensação cuja grandeza não consigo explicar.


A Porta-bandeira cercada pela família. Na foto, junto da bisneta Clarice.

Passado os abraços iniciais, adentramos a sala onde me deparei com as inúmeras fotografias que se espalham pelas paredes na tentativa de manter sempre presente momentos importantes na vida pessoal e profissional desta grande mulher. Começamos a conversar, porém, o que ainda estava em questão era a “Avó” Vilma, que me falava com orgulho e carinho de seus netos, e da mais nova bisneta que nascerá a pouco. Estar ali, entre suas recordações, em seu seio familiar, na sala, ao lado dela e de seus netos, me comoveu. Pude sentir o amor, o carinho, o respeito e a admiração de todo aquele ambiente, que naquele momento, estava suspenso no tempo. A mesma atitude percebi dela, ao referir-se deles. Vê-la no papel de Avó me remeteu a infância, quando escutava as histórias contadas por meu avô e por minha mãe, e pude, mais uma vez, sentir a grata sensação de ouvir o passado pela figura de quem o construiu.


Começamos a entrevista, e ai sim, percebo a Porta-Bandeira se fazer presente. Aos 71 anos, Vilma se mostra vaidosa. Vestia um conjunto de frio na cor “uva” que combinava com os chinelos, com a armação dos óculos e com a maquiagem que levemente tingia colorido aos olhos. Sua figura, agora acomodada sobre uma poltrona cuja cabeceira ostenta uma foto em grande formato de seu sogro - o Natal da Portela - parecia a de uma "soberana" prestes a rever seus feitos mais prodigiosos. O neto Bernard senta-se no sofá ao lado. A pequena Clarice, que brincava na sala, não demorou e correu para o colo da avó. Tudo ali estava voltado para aquele momento. O passado se abriu e quem o conduziu para o presente foi a voz rouca e firme da mulher que a pouco era avó, e naquela momento, era uma "soberana" cuja memória falava de uma rica trajetória.

A lendária Vilma Nascimento tendo como compania a fotografia de Natal.

Iniciamos uma viagem pelo tempo através da memória da Porta-Bandeira. Recordamos momentos importantes de sua vida, suas alegrias, tristezas, conquistas, decepções e desabafos. Em sua memória está o carnaval desta cidade, seu crescimento e ascensão. Sua história, mais do que a do ofício de porta-bandeira, está associada a história da construção de uma identidade que culminou na expressão máxima da cultura carioca e brasileira. Sua memória guarda capítulos importantes da construção do amor de uma comunidade em função de um bem comum. Sua vida se esbarra com um Rio de Janeiro noturno, o Rio dos teatros da Praça Tiradentes, das Boates, do rádio em ascensão, dos subúrbios, do carnaval das ruas...À Vilma Nascimento, o Cisne da Passarela, agradeço por permitir a gravação de momentos importantes de sua história, e da história do samba. Não posso deixar - por exercer hoje, o mesmo ofício que ele exerceu no passado - de agradecê-la por ter facilitado a vida das Portas-Bandeiras - em ter sido ela a responsável pela idéia do talabarte para nosso conforto. Por ter pensado em algo que sustentasse o peso de nossas fantasias - foi sua a idéia da utilização do aço. Sendo estas, revelações ditas enquanto nos despedíamos, deixando em mim um gosto de quem ainda não havia ouvido tudo.

Estou feliz e honrada em ter vivido esse momento ao lado de um mito como Vilma. É um dia de minha vida que irei guardar e contar para os amigos, e no futuro, para meus filhos, netos, bisnetos, assim como ela o fazia diante dos meus olhos. À Vilma", muito obrigada em contemplar à mim com uma tarde encantadora e carinhosa ouvindo ao lado de seus netos, suas travessuras de menina já com personalidade forte. Foi emocionante ver o carinho deles para com a senhora. A Clarice, que adormeceu em seu colo, e não desgrudava de você, está aqui presente no áudio das fitas. Dá para ouvi-lá brincando, conversando e chorando querendo voltar para o colo quando despertará de seu sono. Ver a admiração do adolescente Bernard é muito bonito. O amor deles pela senhora é emocionante. Obrigada por me permitir entrar em sua casa e viajar ao lado de seus netos em suas histórias e em meio às suas recordações. Aproveito a oportunidade, e agradeço à Danielle Nascimento por me ajudar, explicando a idéia à sua mãe, facilitando assim a concretização dessa entrevista.



Abaixo, um trecho de memória viva! As palavras e as fotografias que seguem falam sobre o passado e o presente, muito melhor do que eu! Fica aqui minha singela homenagem a essa grande dama, cuja grandeza maior está em sua história.



Squel - Como iniciou-se o envolvimento com o samba?

Vilma - Foi meio complicado. Naquela época não tinha quem ensinasse. Não tinha nada disso, não tinha muita divulgação como hoje tem. Eu morava na (rua) Dona Clara, onde nasci. Lá tinha o bloco “Unidos da Dona Clara”, mais adiante, entre Oswaldo Cruz e Madureira, tinha o “Recreio das Bonitonas”, neste, eu era cabrocha aos 7 anos. Saia pelo Unidos da Dona Clara mas de repente me vi como porta- estandarte. É origem mesmo, minha mãe era porta- estandarte de Bloco de Rancho e o pai do Benício era quem dançava com ela. O Benício é meu Primo! Meu pai todo ano (risos) saia de baiana, mas ele não desfilava em Escola, ele saia no “Bloco de Sujos”...Na rua Dona Clara tinha batalha de confetes, o carnaval de rua era muito bom, era folião. Daí o meu interesse. Eu nunca vi minha mãe dançar, não deu pra ver, mas acho que deve estar no sangue, ? Aos 9 anos fui para a União de Vaz Lobo que é a minha origem. Minha mãe saia da baiana lá, mas eu não podia sair de porta-bandeira por ainda ser menor de idade, era muito pequena. Sai por uns 3 anos na ala do cometa, e aos 12 anos comecei a sair de porta- bandeira pela Vaz Lobo já como primeira. De 13 pra 14 anos fui trabalhar no “Night and Day” com o Carlos Machado. Ele era o responsável por mim, porque eu não podia trabalhar por ser menor de idade. Mas eu já tinha corpo, usava as roupas da minha irmã que era 7 anos mais velha do que eu. Agora que diminui, que velha (risos) a gente diminui, ? (risos)...

Squel - Como era o universo do samba nessas boates onde a senhora se apresentava?

Vilma - Eu trabalhava no “Night and Day”, no “Casablanca”... no “Casino da Urca”. Em Teatro...no “Carlos Gomes”. Trabalhei na “Rádio Nacional” e na “Mayrink Veiga” fazendo coro, porque eu trabalhava com o Herivelto Martins e com a “Jupira e as suas cabrochas”. Lá, eu já não era porta- bandeira, passou a ser revista – Teatro de Revista - e eu era cabrocha. Era muito bom...porque não tinha essa violência toda, ? Não tinha...não tinha! Então a gente chegava em casa de manhã, tinha dia que eu não vinha nem pra casa, ficava na casa das minhas colegas. Porque as 10 horas já tinha ensaio e a gente acabava às 5 da manhã! Nós fazíamos teatro, rádio, boates essas coisas todas...

Squel - E seu envolvimento com o nome “Portela”?

Vilma - Fui trabalhar com o Benício, que saia no Império Serrano e eu na União de Vaz Lobo. Fomos trabalhar , dançar... Ele de mestre- sala e eu de porta - bandeira. Quando vi, a bandeira estava lá, e era da Portela. Mas eu não tinha noção de Portela...Natal – lendário presidente da Agremiação - essas coisas...apesar de que, era eu quem fazia o jogo do bicho pra minha mãe. Mas não conhecia Natal, não conhecia ninguém! Ai...a bandeira estava lá...e eu dançando com ela. Teve um dia que o Natal invadiu a boate pra buscar a bandeira que estava sumida da Portela. Quando ele ia invadir o palco pra "apanhar" a bandeira, ele me viu dançar e parou. Ai ficou sentado, olhando me vendo dançar. Dancei...dancei e quando acabou, eu ia subindo a escada para ir ao camarim, e ele grita: Vem cá menina! - E eu só olhei pra ele! E ele: O que você está fazendo com bandeira da Portela!? - Respondi: Eu não sei! Sei lá! ? É da Portela?(risos). Continuei subindo e mais uma vez ele me chama - Vem cá! - E eu digo:Não! Vou me embora! E continuei subindo, eu nem conhecia ele, fui pro camarim. E ele foi até lá no camarim pra levar a bandeira. Ai descobriu que alugaram a bandeira para o Carlos Machado, roubaram lá e alugaram. Ele (Natal) acabou deixando a bandeira, mas virou pra mim e disse: Olha! Você vai sair na Portela! - E eu digo: Eu hein! Eu sou União de Vaz Lobo! (risos) Minha escola é União de Vaz Lobo! (risos). Nem dei bola pra ele, foi assim que conheci o Natal, a Portela...

Squel - Seu casamento com Mazinho, filho do lendário Natal, não teria colaborado?

Vilma: Depois de 2 anos, conheço Mazinho, o filho dele. Como ele morava em Madureira eu passava por lá por também morar ali, tinha bonde e quando eu passava no bonde, ele subia com o bonde andando pra mexer comigo. De madrugada, quando eu vinha com o Benício do “Night and Day”, às vezes ele estava no trem. Ele me seguia sempre, mas eu não dava confiança à ele. Até que um dia ele me seguiu até a minha casa, nisso eu já morava em Oswaldo Cuz e ele ia sempre lá de bicicleta! Meu pai falava: Tem um homem ai grande, ai no poste! E eu pensava: Ih! Deve ser ele. Ficou assim e comecei a namorar ele...Mas eu era noiva, o meu noivo era da União de Vaz Lobo. Com menos de 15 anos já ia casar, o meu enxoval já estava pronto. Mas eu gostava muito de baile, ! Eu adorava baile! E esse meu noivo não gostava de baile e eu era louca! Do lado da minha casa morava um músico e eu me dava muito com a filha dele...aquele negócio todo...Ai meu noivo marcou um dia comigo e eu disse: Não...não vai lá em casa não!. Porque tinha festa na casa desse meu vizinho, era aniversário da filha dele (risos). E eu não queria que ele fosse, porque eu queria ficar dançando (risos). Mas ele desconfiou, porque eu havia dito que iria na casa da mãe dele, que podia deixar que eu iria. Mas ai, quando eu olho pelo muro... Óh ele me olhando, lá de casa, me olhando dançar. E ai pensei: Ih! Minha Nossa Senhora! - Ele disse: Assim não dá! Ou eu ou o baile!? - Eu digo: O baile! Na mesma hora o baile! (risos) - Ele: O baile?Ai...me deu um prazo de 15 dias e eu respondi dizendo que não precisava dar não, mas ele persistiu e disse: 15 dias! - E eu : Tá bom!...
Continuei trabalhando, e nesses 15 dias conheci o Mazinho que se virou pra mim dizendo: Não, eu sou noiva, não posso te namorar porque sou noiva! E contei a história pra ele e ele disse: Então você vai lá e vai dizer à ele que não quer mais, que você tá me namorando! Ai eu fui lá e disse à ele, pro meu noivo...desmanchei. Fiquei namorando o Mazinho e com 15 dias namorando ele me disse: Vamos lá conhecer meus pais! Eu não sabia quem eram...fui lá e eles moravam em frente à estação. Quando entrei disse pra mim mesma: eu conheço esse homem - e ele me olhou e disse: Eu conheço essa menina! (risos). Eu digo: ! Ai me lembrei! Foi na boate! - E ele: É mesmo! Agora você vai sair na Portela! - E eu disse: Eu não! eu vou sair é na União de Vaz Lobo! Eu gosto da União de Vaz Lobo!...
Squel - E a sua ida definitiva para Portela? Quando a senhora aceitou por definitivo esse convite feito por tão ilustre personagem?

Vilma - Meu primeiro ano na escola foi em 1957. Natal virou pra mim e disse: Agora você vai pra Portela! - E eu digo: Vou! Mas de segunda, porque vocês já tem a primeira -que era a Dodô . Ele disse: Não! Você tem que ser a primeira! - E eu digo: Não, então não vou! Eu sempre enfrentava ele, era a única que brigava com ele (risos). Então ele aceitou. Mas ai ela soube - a Dodô - que eu ia ser a segunda, ela me chamou e falou: Não Vilma, você vai ser a primeira (ela nem deve se lembrar mais disso). - Eu disse: Não! Você já é! Vou ser a segunda! - E ela: Não! vou ser a sua segunda. E foi a minha segunda!

Nesse momento pergunto se ela lembra a idade em que ela assumiu, começamos a rir, e ela pede para o neto fazer as contas.

Vilma - Como é?...1938 pra 1957?

Bernard (o neto) - Era 19!

Vilma - Ainda não tinha 19! Assumi com 18 anos! Em 1958, aos 19 anos, eu casei! Casei no dia 1º de Fevereiro e o carnaval daquele ano foi em Dia de Reis por ai.

Squel - A senhora recorda como era a organização desses carnavais passados? Como a cidade se preparava para receber as Escolas que se apresentavam?

Vilma - Ah! Era corda! Eu comecei na Praça XI, na União de Vaz Lobo. Não tinha nada disso, era horrível. Era a polícia à cavalo, que metiam os cavalos na gente! Ih! Os cavalos vinham em cima. Sujavam o chão que ficava com “coco de cavalo”! Era horrível! Isso na Praça XI. Depois veio os desfiles da Presidente Vargas, em que faziam um tablado. E em volta ficavam os policias com os cavalos. Então, primeiro era a corda, ai depois o tablado que era para o pessoal ver! O pessoal ficava em baixo e gente desfilava em cima. A corda ninguém respeitava! Empurravam a gente, machucavam as pessoas...

Squel - Como era o universo das Escolas de samba nessa época? Como era o tratamento entre elas?

Vilma - Tinha...tinha encrenca (rs)...Teve um ano que foi um "brigueiro" na apuração! Porque a Portela ganhou e eles não queriam! Disseram que foi roubado, que o Natal roubou! Olha! Foi uma encrenca! Foi uma briga danada. A polícia estava na apuração...Eu nunca fui assistir a apuração. Eu não suporto! Não suporto! Ele me chamava e eu dizia: Não vou! Não vou! E ai lá na apuração começam à dizer: Estão enforcando o Natal! E eu daqui vendo! E eu nervosa falando: Estão matando o “Seu Natal”! O Mazinho também estava lá, mas colocaram o Mazinho pra fora! E eu aqui vendo pela televisão! Olha! Foi um terror! Ai quando parou tudo, ele ( o Natal) disse: Tem um jeito! Todo mundo vai ser campeão então! - Porque queriam anular - E ele disse: Anular não! Todo mundo vai ser campeão! - Com isso, todo mundo gostou e batiam palmas pro Natal! Mas, ele com toda a sua ironia disse: É! Só que vocês são otários! Vocês são campeões....e eu sou tetra-campeão! - Olha, ele dava gargalhadas! (rs). Porque ele era malandro, esse era malandro!

Squel- Sua história corresponde à um período áureo da Escola de Madureira. Como era essa Portela que incomodava?

Vilma - Desde que eu comecei a sair, a Portela ganhou 7 anos seguidos!! Era muito bom! Ali era uma família! No natal e no ano novo, todos nós ceiávamos na Portela!

Squel – Me aponte um desfile marcante que a senhora tenha vivido na Portela...

Vilma - Pra mim marcou o ano em que o Natal morreu. Quer dizer, não foi o ano em que ele morreu. Ele morreu em 1971 e eu estava saindo de destaque. Dei um parada de 1969 até 1976 e nisso saia de destaque. Em 1976 a Danielle nasceu, e em 1977 voltei! Então em 1977 eu senti falta do Natal! Pra mim foi muito triste, porque ele desfilava perto de mim. Ele ia na frente mas voltava, perguntava se eu queria alguma coisa. Até sapato meu Natal carregou! Quando chuvia o sapato saia do pé (rs) e ele é quem levava...quando chegava perto do jurado ele me dava para que eu pudesse dançar. Ele dizia que quem tinha de ser filha dele era eu! Que eu era quem parecia com ele! (rs) Ele me amava!

Natal da Portela: personagem sempre presente.

Squel - Natal dizia que a Portela não desfilava sem a Vilma! Como era a relação entre vocês?

Vilma - A minha relação com ele era muito boa, é tanto que ele dizia que eu tinha que ter sido filha dele! Como porta-bandeira, ninguém podia falar nada de mim, senão ele brigava! Quando casei Mazinho disse: esse ano você não vai sair! Dai a gente escuta alguém bater na porta e eu disse: Isso é batida do
seu pai! - E ele: Papai aqui em casa? E foi abrir a porta. - E ai o Natal disse: Olha aqui! - E quando fui ver, tinha um maço de dinheiro - ele era quem me dava o dinheiro pra comprar o material e quem fazia a roupa era eu e minha família.
Minha prima largava a casa dela e ficava por 3 meses na minha casa com marido, filhos... tudo bordando. Até o marido dela bordava! Os meus sapatos era ele quem bordava todo ano. Todo mundo ia pra minha casa! Então Seu Natal dava só o dinheiro do material. - Ele chegou e disse: Aqui o dinheiro pro material! Vá comprar a fantasia! - E o Mazinho: Ah! Não! Papai essa não! Casamos agora! Esse ano não tem não, bota outra! (rs). - E Natal disse: Nem você manda nela, nem ela se manda! Quem manda aqui sou eu! (rs).- Ele era terrível (rs). Ai...eu adorei né!


Ao lado de Benicío: Período majestoso da história dos desfiles cariocas.


Squel - Em 1969, a senhora passou o posto para Irene. Porque?

Vilma - Eu não passei o posto pra ninguém! (risos). Sai em 1968 porque eles só pagavam o material. E o Natal foi preso na Ilha Grande. O carnavalesco que estava lá era o Clóvis Bornay. Eles queriam que eu me encontrasse com o Clóvis e fosse comprar material no meu nome. E por ocorrer alguns problemas com relação à essas compras, eu escrevi uma carta dizendo que era para eles pagarem a “Loja Silmer” primeiro, e depois comprava fiado para o carnaval. O presidente então resolveu me dispensar! E então ela foi apresentada. No carnaval de 1969 eu não sai! E em 1970 eu sai de destaque na Portela, onde fiquei saindo até 1976.

Squel - E como aconteceu a sua volta em 1977?

Vilma - Voltei a dançar em 1977 porque o Hiram Araújo me venceu pelo cansaço! O Hiram era diretor cultural da Portela. O enredo era dele e ele me pediu. E acabou me vencendo pelo cansaço. O Natal Ficou aborrecido porque ele queria que eu voltasse a dançar quando ele saiu da Ilha Grande. Mas o Carlihos disse que não, que já tinha a Irene. O Natal morreu aborrecido com ele!

E o carinhoso apelido de Cisne da Passarela, como surgiu?

Vilma - Ah! Isso foi coisa do Waldinar Ranufo jornalista! Quando ele me via dançar, dizia que minhas “perninhas” pareciam com as de um cisne (risos).

Squel - Sua passagem pela Avenida marcou de tal forma o carnaval carioca que a senhora tornou-se inspiração para famosa canção da MPB. Como a senhora vê esse reconhecimento?

Vilma - Isso pra mim é muito importante! É muito bom! Porque na época quem fez, há muitos anos atrás, foi o Jair Amorim. Ele nem era Portela, ele era Mangueira. Depois que ele passou a ser Portela por minha causa. Ele veio lá da terra dele para ver o carnaval aqui. E quando ele me viu dançar, ficou louco! Apartir dai, todo ano ele vinha fazer reportagens e me seguia. A mulher dele tinha uma raiva de mim! O que, que é isso! Aliás, as mulheres dos homens tinham raiva, agora não mais! (risos) Mas era porque os homens ficavam na avenida me olhando encantados. Só falavam de mim! Hoje em dia algumas até se tornaram minhas amigas. Quando escutei a música na rádio chorei, é muito bonita!
E depois a Leci Brandão...muito bonita a música da Leci também! Meu cunhado também fez música para mim quando eu voltei a dançar de porta-bandeira. Olha! Eu tenho música que dá pra fazer um cd! Agora é cd né? Então dá pra fazer!

Squel - Quando foi que a senhora resolveu que era hora de parar de dançar?

Vilma - Ah! Foi quando tiraram os pontos de porta-bandeira e mestre-sala! Se não vai julgar, o que eu vou ficar fazendo aqui? Eu quero ajudar a escola com os meus pontos! Eu brigo por isso! Eu não quero derrubar ninguém. Não quero ser mais do que outra porta-bandeira. Não é esse o meu ideal! O meu ideal é arrumar os pontos pra minha escola. Para minha escola ir mais à frente...não descer! Eu só pensava em não descer (risos). Era esse o meu problema, não descer! Então eu queria garantir os 40 pontos, sei lá! Tudo o que fosse possível. Não era para ser a melhor porta-bandeira da avenida não! Nunca tive essas coisas! Minha meta era outra! Era ajudar a minha escola! Saia da avenida sangrando, ai arrumei um jeito de “alcochoar” para não machucar. Não tinha talabarte na época. Talabarte quem inventou foi eu! Carregava a bandeira na cintura! Não tinha nada disso antigamente. A primeira pessoa quem fez pra mim o talabarte foi o Arnaldo das Faixas...expliquei à ele o que eu queria...

Em defesa do pavilhão.

Squel– Após os anos em que a senhora desfilou na Portela, a senhora continuou na Avenida...

Vilma - Eu parei de desfilar na Portela, mas sai 2 anos em alas na Ilha e na Imperatriz. Saia no Cacique (risos). Nessas duas escolas eu saia em ala de passo marcado. E em 1982 sai na Ilha como homenagem à Portela. Em 1984 fundaram a Tradição, me chamaram e eu aderi à Tradição! Mas eu desfilava na frente da escola, eu vinha representando o Natal na Tradição. Em 1988 eu não queria, mas o Nésio pediu para que eu viesse como a primeira porta-bandeira. Avisei à ele que não seria por muito tempo. Eu não queria! Avisei à ele para ir arrumando outra. É que a Regininha não quis mais e ai eu assumi. Dancei até quando o Nésio decidiu colocar a Daniele.

Squel– Na Portela, ou distante dela, as transformações mais importantes da Escola ocorreram diante dos seus olhos, ou sobre as decisões de sua família. Conte-me um pouco sobre isso...

Vilma - Na época, a Portelinha já não dava mais pra escola, era pequeno. Ai o Mazinho falou para o Carlinhos Maracanã: Pô! Vamos comprar um outro terreno porque aqui não dá mais. E ai o Mazinho perguntou à ele que se caso ele achasse um terreno, se ele compraria. Ele disse que sim! E ai o Mazinho achou o Portelão e eles foram procurar o dono que morava ali perto! Mas nisso o Mazinho ficou tomando conta do Mourisco essas coisas todas – o Mourisco era um clube na zona sul carioca que abrigava os ensaios da Portela no período pré-carnavalesco. Ai sobrou um dinheiro do carnaval e o Mazinho disse: Tem tanto! - Porque tinha que dar uma entrada, mas só esse dinheiro não dava. Ai o Carlinhos emprestou uns 200 e poucos, e ai compraram o Portelão! Mas o Carlinhos ficou fugido e o Mazinho ficou tomando conta. Ficou atrasado uns 3 meses ou 4 meses a prestação do Portelão! Iamos perder o Portelão! Mas ai o Seu Natal veio aqui - eu já morava aqui. Seu Natal veio aqui e disse pro Mazinho que se perdesse o Portelão ele morria. - E Mazinho disse: Viu! Eu não queria assumir!? - E eu digo: Assume! - Mazinho teve que assumir com Carlinhos fugido. Mas o nome do Carlinhos não serviu pra "apanhar" o dinheiro emprestado e teve que usar o nome do Mazinho para conseguir o dinheiro! Nisso, essas minhas casas aqui foram Penhoradas! E ai o Mazinho tomando conta dessas coisas, começou a arrecadar o dinheiro para colocar em dia a dívida e quitar a compra do Portelão!

Squel - Por qual motivo ocorreu o desligamento dos integrantes da Portela, que ocasionou na criação da Tradição?

Vilma - Ah! Sei lá...eu não estava mais! Mas é que eles queria derrubar o presidente e ele os expulsou. Nisso ele acabou expulsando 12 alas e o Nésio, que fazia parte da diretoria da Portela.

Squel - O que representou para a Portela a fundação da Tradição?

Vilma - Acho que representou muito pouco para a Portela. A Tradição não tinha nada haver com a Portela. As pessoas vinham falando: Ah! É a filha da Portela! - Não! Não tinha nada haver com Portela. Portela era Portela e a Tradição era a Tradição! Só lamento o estado em que está hoje a Tradição. Porque nós colocamos ela no auge. Briguei muito pela Tradição. Até deitar no chão para que o trator não passasse, eu deitei! Fui parar no fórum por causa disso!

Squel - Para a senhora, qual dos desfiles em que esteve presente marcou?

Vilma - Emoção maior pra mim como porta-bandeira foi na União da Ilha.

Surpresa pergunto: A senhora desfilou na Ilha?

Vilma - Desfilei, mas não foi como porta-bandeira oficial. Saiu eu e o Benício! Nós saímos homenageando a Portela. Já não estava mais na Portela, isso foi em 1982. Eles fizeram aquele enredo – “Obrigada minha madrinha”...porque a Portela é madrinha deles, né. E então eles me convidaram! Mas a intenção deles era me botar como primeira. Mas eu não quis! Ai eu digo: Não! Não quero porque vocês tem a porta-bandeira de vocês. Não quero, não quero sair não! Ai o Roberto Maia que era o presidente, com uma semana pro desfile, juntamente com meu marido, me convenceram à desfilar como “homenagem à Portela”. Menina, o Evandro é quem fazia a minha roupa. Porque quando eu voltei à desfilar em 1977 eu disse: Não faço mais as minhas fantasias! E disse pro Nésio: Vocês levam a roupa da porta-bandeira de vocês com 1 mês antes pro carnaval prontinha! Então eu não vou me acabar mais! Vocês fazem, eu não quero saber de nada. Ai escolhi o Evandro que não queria fazer, alegando o seguinte: Eu não estou acostumado à fazer escola de samba, eu faço pro “Theatro Municipal”! E eu disse: Ah! Mas eu não quero saber, foi você que eu escolhi e eu quero você! - E ele: Eu não vou fazer! - E eu: estou indo para ai! Ai levei o figurino, quem era a carnavalesca de lá era a Rosa Magalhães com a Lícia Lacerda. Mas ai eu disse: Eu trouxe o figurino pra você ter uma noção! Mas esquece o figurino porque é horrível! Horroroso! Vou deixar por sua conta! (rs) - E ele: Pelo amor de Deus! E a Rosa? - E eu disse: Ela não vai falar nada. Não é ela quem vai dançar! Quem vai dançar sou eu! Ela não dança. Ela risca, faz enredo. Não meu filho! Quem vai dançar sou eu! - E ele: Ai meu Deus do céu! O que é que eu vou fazer? - Eu disse: É contigo mesmo! Quanto é? - Ele: Eu não vou te cobrar. Só uma coisa simbólica. Ai cobrou 500! 500 mil na moeda da época, que era muito dinheiro naquele tempo. Cheguei na escola e disse: Oh! É tanto! Paga ai! Mas paga agora! Ai o Nésio: Não! Vou dar o dinheiro à você e você mesma paga. Peguei o dinheiro e fui lá pagar. Então foi em 1977 o meu primeiro ano com o Evandro, aquela lá, aquela fantasia azul -nesse momento ela aponta para um dos quadros expostos em sua sala em que se encontra a foto dessa fantasia.
Mas voltando ao desfile da Ilha...peguei a roupa direitinho e fui para a avenida. Na avenida, eles não apresentaram a porta-bandeira como a primeira da Ilha. Não apresentaram nem no primeiro, nem no segundo jurado. Quem era o coordenador na época era o Antônio Lemos. O jurado mandou ele vir me pergutar se afinal de contas eu era a primeira porta-bandeira da Ilha (risos). Ele veio me perguntar e eu respondi: Não! Primeira é a outra! Eu só estou prestando uma homenagem!
Eu sai da Portela em 1979. E então achei que fosse ser vaiada, mas pensei: Seja o que Deus quiser! Quando cheguei na concentração da Ilha era tanta gente querendo o meu autógrafo. Eram tantos autógrafos, foram mais de 200! (risos). Todo mundo em cima de mim. E ai chegou a hora de desfilar, a bateria já ia entrar. Mas eu sempre levava uma garrafa de Whisky para a avenida como eu sempre fazia na Portela. E na Ilha não foi diferente! Eu tomei uma dose e entreguei a garrafa à bateria e disse “Vambora” bateria”! E eles adoraram! Eles começaram a dizer: Ih! A tia é legal! (risos). Quando coloquei o meu pé na avenida disse: Seja o que Deus quiser! Quando eu botava o pé na avenida, eu me transformava. Ninguém me conhecia! Os problemas ficam lá em casa. Eu não queria nem saber!
Ai, quando eu entrei na avenida e dei a minha corridinha. Porque eu dava uma corridinha. Menina! Eu só via aqueles lenços brancos acenando pra mim e gritando Vilma! Vilma! Vilma! Chorei muito! Eu nunca tinha passado por aquilo, nem na Portela! E eu ia passando pelas cabines e as pessoas chorando. Nisso encontrei Ligia Santos no meio da Avenida que chorava e falava: Pelo amor de Deus!
E ai veio o meu marido me perguntar se eu estava passando mal! E vinham as pessoas com água, e eu não querendo nada. Fui dançando, dançando...foi muito bom! Nem na Portela vivi isso! Em ter reconhecimento dessa forma do público. Eu não posso falar que não tinha o carinho do público na Portela, eu tinha! Mas nunca foi dessa forma como foi na Ilha!


Squel – A pouco, a senhora falou sobre a confecção de suas roupas através no nome de um dos seus costureiros. Como a senhora vê a importância de uma boa roupa?

Quando eu passei a fazer roupa com o Antônio ( Antônio Esperandini ), eu nem me preocupava. Eu só ia lá tirar a medida, depois provava e só ia buscar. Ele me ligava e dizia: Pode vir apanhar aqui sua chata! E eu dizia: Ué! Eu sou chata? E ele respondia: Você não, você é a minha neguinha! Ele dizia que eu era herança do Evandro. Porque ele trabalhava com o Evandro, e quando ele morreu o Antônio assumiu tudo!

Squel - A senhora dançou nos anos 50, 60, 70, 80 e 90. Como vê, através das mudanças nos figurinos, as transformações pelas quais o carnaval passou?

Vilma - Foi boa!...Tirando por aquela sua roupa verde com preta. ( Nesse momento ela relembra minha fantasia do carnaval de 2008 ). Quando eu vi aquela fantasia, eu fiquei doida! Eu dizia: A coisa mais linda vem ai! Olha lá! Olha lá! Estou vendo daqui! E pra mim foram duas fantasias que eu gostei: Que foi a sua, que estava linda! Uma coisa, meu Deus do Céu! Não tem explicação! ... E uma fantasia que a Babi usou quando saiu na Mocidade, em que ela veio de esquimó. Quando eu vi a Babi com aquele gorro, era a coisa mais linda! Parecia uma neve! Era a coisa mais linda que eu vi!

Squel - E sua relação com os seus mestres-salas, como era?

Vilma - Dancei muitos anos com o Benício. Tive o Ari, ele é tio do Arlindinho e quem foi o meu primeiro mestre-sala na Portela. Dancei na União de Vaz Lobo com o Robertinho. Depois do Ari, veio o Benício que é meu primo, meu irmão! Minha mãe foi quem o criou. Olha, eu e o Ari já sabíamos o que fazer pelo olhar! (risos). A gente ria até das nossas desgraças! (risos). Quando nós errávamos também ríamos. Não brigávamos, não! Olha! O Delegado com a Neide, era um horror na avenida. Eles gritavam um com o outro, brigavam! Era um horror! E com o Benício era a mesma coisa, só pelo olhar já nos conhecíamos! Na Tradição dancei com o Paulo Roberto e com o Julinho.

Squel - Sabemos que muitas coisas mudaram da década de 50, quando a senhora começou a dançar, para os dias atuais. Sei que a dança sofreu alterações por ter acompanhado o ritmo das baterias que ficou "mais adiantado". Como a senhora avalia essas transformações?

Vilma - Mudou também por causa das escolas, o número de componentes é insuportável! Então não sobrou espaço pra porta-bandeira. Ai tiraram o casal da frente da bateria pra colocar rainha de bateria. Pra colocar essas musas que não sambam nada! Quer dizer...mudou tudo! Ai colocam o casal na frente da escola. O som chega atrasado, horrível! Eu sou contra isso, eles dizem que é porque não abrem buraco. E quantas vezes o casal tá lá na frente e abrem-se buracos na escola? O buraco abre quando não tem uma boa harmonia! Tendo uma boa harmonia não abre! Agora eles colocam um monte, um monte de gente, que compram roupa pela internet, que não sabem o samba, que não sabem de nada! Ah! Falo mesmo! Essas coisas pra mim não vale! Agora, não dá tempo pro casal dançar para o público. Antigamente tinha o momento do mestre-sala, tinha o momento da porta-bandeira e tinha o momento deles juntos! Era assim..agora não! E era função do mestre-sala ir em função da porta-bandeira. Agora não! Agora a porta-bandeira tem que ir em função do mestre-sala! Nunca vi isso! A porta-bandeira, com a bandeira e roupa pesada tem que ir atrás do mestre-sala! O mestre-sala roda mais que a porta-bandeira! Depois eles ficam falando mal de mim quando eu falo isso! Eles dizem que estou ultrapassada, que minha época já passou. O olha que tem o regulamento, ai depois leva "pau" dE jurado e quer reclamar! É ai que tá o problema! Dançar sem fantasia em quadra é uma coisa! Dançar com fantasia na avenida é outra coisa! Eu sempre digo que a gente tem que encarar: avenida, bandeira, fantasia e mestre-sala! Agora eu vejo muita coisa, mas quando eu falo dizem que estou ultrapassada! Ai eu dou gargalhadas quando vejo as notas deles! Depois eu vejo a justificativa também, eu vejo tudo!

Squel - A senhora teria alguma mensagem passar aos novos sambistas e para a atual e futura geração de portas-bandeiras?

Vilma - Não adiante falar nada. Porque tem uns que dizem que já estão preparados! Eles dizem: Eu já estou preparado para ser o primeiro! Eles fazem assim. E eu até parar de dançar dizia que não estava preparada. Que até na avenida a gente aprende! Porque todo o dia a gente aprende. E eles não! Eles dizem : Eu já estou preparado! Então é difícil! Se a gente fala alguma coisa eles dizem que estamos ultrapassados! A única coisa que eu costumo dizer é que o casal tem que gostar daquilo que está fazendo! Agora eu sei que mudou. Tá certo mudar mesmo. Porque tem um dinheiro e têm que ter! Porque agora as escolas exigem que façam vestidos e se exigem, tem que dar! Mudou o modo de receber as pessoas. O que eu vejo é isso, as pessoas, os casais, tem que gostar daquilo que faz! Tem que ter o dinheiro que é para se vestir bem nas quadras, nas apresentações, lógico! Ter uma fantasia bem bonita, porque no fundo isso é julgado! Porque depois que visual virou quesito, acabou-se! Eu acho isso, que o casal tem que gostar do que faz! Tem que batalhar pelos pontos pra sua escola. Porque é tão bom para a escola quanto para o casal. Também acho que não se deveria marcar tanto passo assim! Pode se criar mais coisas individuais!!!